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Recordando uma velha questão: a convenção coletiva é uma lei ou um contrato?

By 27 Dezembro, 2022Janeiro 2nd, 2023No Comments

Um recente acórdão do STJ – datado de 29/11/22, no processo nº 842/21.378VFX.L1.S1 – fornece o pretexto para que se revisite a questão, sobre a qual a jurisprudência está mais do que consolidada, da interpretação de cláusulas das convenções colectivas.

São, como se sabe, diferentes, em certa medida, os critérios utilizáveis na interpretação da lei ( art. 9º do Cód. Civil) e na interpretação dos negócios formais (art. 236º co mesmo Código) – categoria a que a convenção colectiva pertence, na sua vertente contratual. A diferença essencial incide no grau de valorização da vontade real e histórica dos autores (da lei ou da convenção) e no relevo atribuído ao elemento literal da interpretação.

Sendo certo que, em qualquer dos critérios, se exige um mínimo de apoio na letra da disposição a interpretar, essa exigência assume intensidade distinta conforme se trata da interpretação de normas ou de disposições negociais.

Com efeito, ela reclama carácter absoluto na interpretação da lei e, portanto, de acordo com a jurisprudência estabelecida, também das cláusulas das convenções. Como bem se acentua no acórdão acima referido, “se uma interpretação proposta não tiver o mínimo de apoio no teor literal da cláusula torna-se desnecessário recorrer a outros elementos, já que o recurso aos mesmos não permite fazer vingar tal interpretação, carecendo a mesma do referido mínimo de apoio na letra da cláusula”. É o que, liquidamente, resulta do art. 9º do Cód. Civil.

Já no que respeita às disposições negociais, a exigência de correspondência da interpretação no texto assume certa relatividade: a prevalência absoluta é conferida à “vontade real das partes”. Se ela for conhecida, mesmo não tendo apoio mínimo na letra da disposição a interpretar, o sentido desta valerá de acordo com aquela vontade real.

Como se disse, a opção assente da nossa jurisprudência resulta da atribuição de prevalência ao perfil normativo das convenções sobre a sua génese contratual.

No entanto, essa opção não está inteiramente livre de dificuldades. É que a lei prevê um mecanismo específico para a interpretação das convenções colectivas – a comissão paritária (art. 493º do Cód. Trabalho) – que, como é da sua natureza, surge apontado ao apuramento da vontade real dos outorgantes.

Seria interessante reflectir sobre o que diria o legislador do trabalho se incluísse no Código uma regra sobre os critérios de interpretação das convenções colectivas. Mas a verdade é que preferiu não se pronunciar sobre o ponto, o que também não é isento de significado.

Se, como é perfeitamente imaginável, uma disposição convencional estiver tão deficientemente redigida que o seu texto ofereça apoio mínimo a uma das interpretações defendidas num certo litígio, e nulo à que se lhe contraponha, decorrendo, no entanto, de outros elementos recolhidos uma visão suficiente da vontade real das partes subscritoras da convenção no segundo sentido, poderemos estar perante soluções diferentes consoante o caso seja decidido em tribunal ou mediante o recurso a comissão paritária.

Vale a pena refletir sobre se um tal resultado pode corresponder a uma orientação útil e pragmática sob o ponto de vista do nosso ordenamento. Provavelmente, sim.

António Monteiro Fernandes @ Of Counsel, DCM | Littler