O Parlamento Europeu e o Conselho promoveram a publicação de uma comunicação destinada a ajudar as autoridades nacionais, os cidadãos e as empresas na aplicação da Diretiva 2003/88/CE, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho. Este iniciativa visa identificar toda a jurisprudência relevante sobre cada aspeto relacionado com o tempo de trabalho. Assim, estamos perante um documento que procura influenciar o sentido interpretativo das normas resultantes da mencionada Diretiva, mas que não garante, naturalmente, uma interpretação autêntica. Caberá aos Tribunais e, em particular, ao Tribunal de Justiça, o papel central de aplicação da Diretiva, uma vez que são competentes para interpretar o Direito da União Europeia.
Uma vez identificada a finalidade desta comunicação interpretativa, vamos começar com a análise sobre a (in)existência da obrigação de registo dos tempos de trabalho. Com efeito, este tema foi já objeto de discussão ampla nos Acórdãos C-342/12 e C-55/18. Se no primeiro acórdão ficou reconhecido que o registo de tempos de trabalho se tratavam de dados pessoais, no segundo, foi decidido que os artigos 3.º, 5.º e 6.º da Diretiva lidos à luz do artigo 31.º, n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como do artigo 4.º, n.º 1, do artigo 11.º, n.º 3, e do artigo 16.º, n.º 3, da Diretiva 89/391/CEE do Conselho, de 12 de junho de 1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro que, segundo a interpretação que lhe é dada pela jurisprudência nacional, não impõe às entidades patronais a obrigação de estabelecer um sistema que permita medir a duração do tempo de trabalho diário prestado por cada trabalhador.
A existência de obrigação de realização de registo de tempos de trabalho não era uma temática consensual nos Estados-Membro até pelo menos 2019. Nesta medida, vários Estados-Membro não tinham previsto uma regra na legislação nacional que impusesse tal obrigação de forma expressa. Por sua vez, no ordenamento jurídico português tal previsão legal resultava já no Código do Trabalho desde 2003, pelo que o acórdão C-55/18 não teve qualquer impacto. Esta comunicação interpretativa do Parlamento e do Conselho segue a esteira jurisprudencial deste acórdão. Com efeito, resulta do documento que com vista a garantir o efeito útil dos direitos consagrados nos artigos 3.º e 5.º , e no artigo 6.º, alínea b), da Diretiva relativa ao tempo de trabalho, os Estados-Membros devem impor às entidades patronais a obrigação de «estabelecer um sistema objetivo, fiável e acessível que permita medir a duração do tempo de trabalho diário prestado por cada trabalhador».
Ainda de acordo com esta comunicação interpretativa, os Estados-Membros têm poder de apreciação para determinar quais as modalidades concretas de implementação de tal sistema de registo. Consequentemente, é entendido que têm o direito de decidir a forma que esse sistema deve revestir, tendo em conta, sendo caso disso, as particularidades próprias de cada sector de atividade em causa, ou mesmo as especificidades de certas empresas, nomeadamente, a sua dimensão. Não obstante, a comunicação interpretativa identifica uma exceção a esta regra: Se, em razão das características particulares da atividade exercida, a duração do tempo de trabalho não for medida e/ou predeterminada ou puder ser determinada pelos próprios trabalhadores, um Estado-Membro pode derrogar os artigos 3.º a 6.º da diretiva relativa ao tempo de trabalho e não tem de criar um sistema de registo do tempo de trabalho para essa atividade.
O Acórdão C-55/18 veio reforçar a ideia que o tema do registo dos tempos de trabalho não é uma questão antiga e ultrapassada, geralmente associada ao sector industrial. Pelo contrário, estamos perante um regime recente na maioria dos ordenamentos jurídicos e que viu o seu enquadramento reforçado no espaço da União Europeia. Admitimos que nos próximos anos o registo dos tempos de trabalho passará a ser mais consensual na legislação nacional dos Estados-Membro. Não obstante, admitimos que a decisão do Tribunal de Justiça que deu origem a esta interpretação possa não ser tão evidente como parece resultar do documento emitido pelo Parlamento e Conselho.
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