Dadas as novas atualizações da pandemia COVID-19 (cfr. Resolução do Conselho de Ministros n.º 88-A/2020; Resolução do Conselho de Ministros n.º 89-A/2020) e com o regresso ao teletrabalho (próprio ou impróprio) em período de crise, voltamos a analisar as situações de “trabalho log-on e log-off”, sendo já uma boa parcela do trabalho digital – configurando, desta forma, a crescente afirmação do Trabalho 4.0 (trabalho em plataformas digitais, de cloudworking e de algo-driven labour).
Mais se dirá que o atual período, conturbado, tem gerado um clima de suspeita e insegurança quanto a possibilidade de um novo estado de emergência e de um confinamento obrigatório (constituindo um plus diante do dever cívico de quarentena).
Com efeito, regressam os problemas associados à política de teletrabalho e respetiva implementação na empresa e casa dos trabalhadores que a integram. A massificação e rutura da forma de trabalho – o envio repentino ou apressado dos trabalhadores para o seu próprio domicílio, a velocidade exigida na adaptação (física e mental) dos trabalhadores aos novos equipamentos (ou falta deles) – são hoje, mais do que nunca, prioridades do Direito do trabalho, da propriedade intelectual e industrial, bem como da cibe segurança e proteção de dados.
Popularmente, é-nos dito que o “segredo é a alma do negócio”. Trata-se de uma expressão popular que ganha acentuada importância no âmbito de um mercado concorrencial bastante aguerrido [o mercado das ideias, do conhecimento e da informação (confidencial)]. Dado que os segredos comerciais (arts. 313.º e ss. do CPI) se apresentam como um verdadeiro “tesouro”, outros agentes – terceiros à organização empresarial – sentem-se “convidados” a ingerir (v.g. piratas informáticos e hackers, atuando a solo, por forma organizada, ou por comando de outrem).
Bem nos dizia o histórico juiz norte-americano Richard Posner sobre a aproximação do privacy ao segredo, que as informações privadas carecem de tutela e são merecedores desta, pois, existirá sempre alguém a tentar aceder e beneficiar desse acesso (cfr. Richard Posner, The economics of justice, 1.ª Edição, Harvard University Press, 1981, pp.231- 310).
São terrenos informaticamente perigosos e os trabalhadores tornaram-se vigilantes, em primeira linha, vigilantes dos segredos de negócio da empresa.
A nosso ver, para reforçar a sua proteção, enquanto empregador, dos próprios trabalhadores e dos segredos negociais, há que ter em conta:
- O esforço técnico em prol da educação e formação. A formação profissional destes, por forma a que estes possam compreender o conceito e importância dos segredos de negócio e técnicas (humanas ou tecnológicas) de proteção dos mesmos (g. métodos de caça à mentira ou fraude, testes ou simulações de segurança);
- O esforço do ponto de vista físico, com respeito aos materiais e fiscalização dos mesmos pelo empregador. O reforço dos equipamentos da empresa que são implementados no domicilio do trabalhador, potencializando a proteção no meio digital e, do mesmo, promulgar o respeito pela privacidade e vida familiar dos trabalhadores (g. implementação de redes de comunicação interna através de blockchain, utilização de passwords nos canais de comunicação e clouds ou sharefiles, utilização da rede intranet exclusiva da empresa, entre outros);
- O esforço jurídico ou contratual. A celebração de acordos ou pactos de confidencialidade, de exclusividade, de não concorrência ( 136.º do CT) de permanência (art. 137.º do CT). Mas não só, devem ser acauteladas, também, as mais variadas situações de cessação do contrato de trabalho, em especial no respeitante aos dados ou informações que os trabalhadores transportam (nos seus aparelhos pessoais e profissionais).
As nossas advertências não são fruto do acaso, escreveu a The National Law Review (cfr. NLR, Vol. X, N.º 293, de 19.10.2020) que existe um “quiet game of trade secret theft” na economia de teletrabalho. Os riscos do trabalho remoto são imensos, os empregadores enfrentam, entre outros:
- O problema da exposição dos segredos negociais diante dos membros familiares, colegas de casa, amigos ou outros agentes terceiros à organização – podemos alertar, desde já, para as ditas conversas informais que são suscetíveis de serem gravadas ou absorvidas pela “Alexa”, pela “Google Assistant” ou, ainda, pela “Siri” (sem o conhecimento dos trabalhadores);
- O aumento exponencial dos ataques virtuais diante dos trabalhadores e respetivos familiares, para acederem a ativos (muito valiosos) da empresa (nomeadamente, através de mail phishing ou de outros ataques centrados em deepfake);
- E, por fim, os riscos, associados à atividade extremamente competitiva, de key personnel pooling, de desvio de trabalhadores, de concorrência desleal (do próprio trabalhador ou deste em colaboração com outras empresas concorrentes diante do empregador).
Com maiores dificuldades perspetivamos a recente Diretiva Whistleblowing, sobre a proteção dos (trabalhadores) denunciantes [Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União]. Diretiva esta cuja transposição para o regime português está, ainda, por suceder.
O que podemos concluir? Figura-se difícil apresentar uma resposta completa com a breve exposição por nós desenvolvida. Em primeira linha, o devido acompanhamento da política empresarial que deve integrar uma forte componente jurídica; em segundo, uma adequada e equilibrada articulação dos ramos de Direito a atender, nomeadamente do trabalho, da propriedade intelectual ou industrial e da proteção de dados.
Os desafios de hoje não podem, de modo algum, ser abstratamente resumidos nos pontos aqui abordados. Por essa razão, um estudo atempado e coordenado com a natureza da atividade profissional e do próprio segredo permitirá a melhor resposta possível. Relembre-se que os danos resultantes do vírus digital poderão ser tão grandes quanto os que resultam do SARS-CoV-2.
Tiago Sequeira Mousinho | DCM LAWYERS