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Repreensão: “Puxão de orelhas” Burocrático ou Simplex?

By 24 Março, 2024No Comments

Numa nota prévia à navegação, traga-se acalmia ao espírito do leitor mais imaginativo que, lendo o título ilustrativo deste artigo, possa dele deduzir um qualquer incitamento e/ou legitimação de sanções à moda dos velhos “safanões a tempo” Salazaristas.

De todo, o que se pretende no presente artigo é tão-só retomar a discussão e passar em revista a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto (TRP) no Ac. de 23.06.2021 (Proc. n.º 20872/19.4T8PRT.P1 / Relator: Jerónimo Freitas), disponível aqui, e na qual se conclui, entre outros aspetos, que:

“V – A lei não exige um procedimento formal para a aplicação ao trabalhador de uma sanção conservatória, apenas exigindo a audiência prévia do trabalhador, prevista no art.º 329.º n.º 6, do CT.”

Numa breve súmula, de entre demais factualidade que nesta sede não relevará, em causa nos autos esteve uma situação em que determinada entidade empregadora instaurou procedimento disciplinar contra um seu trabalhador, tendo em vista a aplicação de sanção disciplinar de suspensão com perda de retribuição e de antiguidade (art. 328.º, n.º 1, al. e), CT), concluindo, a final, pela aplicação da sanção conservatória menos gravosa de repreensão (art. 328.º, n.º 1, al. a) do CT), não tendo comunicado ao trabalhador tal decisão final por escrito, bastando-se com uma mera comunicação oral.

Ressurgiu, de tal facto, o repescar de uma (já longa) discussão doutrinária e jurisprudencial relativamente a saber se: i) por um lado, na ausência de referência expressa por parte do Código do Trabalho (nomeadamente, do artigo 329.º do CT), deve ou não a aplicação de sanção disciplinar conservatória da relação laboral (e, no limite, a sanção menos gravosa de repreensão), ser precedida de toda a tramitação procedimental prevista para o designado procedimento disciplinar “especial” tendente ao despedimento com fundamento em justa causa (art. 358.º e ss. do CT) e, ii) por outro lado, se se justifica a aplicação da exigência legal da forma escrita para tal procedimento (nomeadamente para a elaboração da Nota de Culpa e da comunicação da Decisão Final ao trabalhador), de tal modo que a sua preterição acarreta a invalidade do procedimento disciplinar.

Na tomada de posição que supra se anunciou, nomeadamente, quanto à questão enunciada em “i)”, o douto tribunal cita, além de demais referências doutrinárias, o entendimento vertido no Ac. do STJ de 23-01-2019 (Proc.º 11/17.7T8CVL.C1.S1 / Relator: Conselheiro Ferreira Pinto), disponível aqui, enfatizando o seguinte trecho:

“Ora, a lei não exige um procedimento formal para a aplicação ao trabalhador de uma sanção conservatória, mas exige, sempre, que se salvaguarde o direito de defesa do trabalhador.

É o que resulta do artigo 329º, n.º 6, do CT, dispondo, apenas, que nenhuma sanção disciplinar pode ser aplicada sem audiência prévia do trabalhador.

[..]

Contudo, quer a doutrina quer a jurisprudência, para melhor salvaguarda do direito de defesa do trabalhador, têm entendido que também deve existir um procedimento disciplinar, prévio à aplicação das sanções, mesmo conservatórias.”

Não obstante o que decorre da posição vertida no último parágrafo citado, o TRP remata que, apesar de tal entendimento doutrinal e jurisprudencial, tal “… não significa que se devam cumprir as exigências previstas para o procedimento disciplinar com vista ao despedimento do trabalhador com invocação de justa causa, nomeadamente, no que concerne à nota de culpa, à qualificação da infracção disciplinar e à necessidade de fundamentação.”

Partindo desta conclusão, o TRP inicia a resposta à segunda questão, quese prende com saber se, sendo intenção da entidade empregadora aplicar a sanção disciplinar menos gravosa (art. 328.º, n.º 1, al. a) do CT), é ou não exigível a existência de procedimento disciplinar formal, e é ou não exigível a forma escrita dos atos procedimentais enquanto condição de validade da aplicação da referida sanção.

De acordo com o TRP “é também entendimento consensual que a necessidade de procedimento disciplinar não se coloca sequer, por não se justificar, quando está em causa a aplicação da sanção disciplinar de repreensão.”, sendo esta a única exceção apontada pela doutrina relativamente à necessidade supra referida de “melhor salvaguarda do direito de defesa do trabalhador”, terminando com a seguinte conclusão“… nem sequer era exigível a elaboração de nota de culpa, nem de decisão final reduzida a escrito.

Acontece, porém, que o procedimento foi iniciado com o propósito de eventual aplicação de sanção disciplinar mais grave, nomeadamente, com a intenção de aplicar sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade [facto 2]. Dai compreender-se que tenha sido elaborada nota de culpa, entendendo-se que tendo a empregadora partindo desse pressuposto, tal procedimento formal era necessário. (…)

Mas já não assim para a decisão final, pois o desfecho foi, como se disse, a sanção de repreensão.”

O que dizer, tudo visto?

Compreendem-se as posições que foram sendo citadas no encadeamento lógico da fundamentação expendida pelo TRP. no sentido de dispensar a existência de prévio procedimento disciplinar ou atos escritos para aplicação de uma sanção disciplinar de repreensão que, como refere Maria do Rosário Palma Ramalho, citada pelo douto tribunal, “no caso da sanção de repreensão oral não faz grande sentido, uma vez que esta sanção se consubstancia num juízo de censura imediata e directa do empregador.” (destacado nosso).

Contudo, não ignorando que a law in books deve compaginar-se com a law in action, não deverá deixar de se questionar, de igual modo, até que ponto o trabalhador, perante o velho e conhecido “raspanete” e “chamada de atenção”, tem efetiva consciência de que lhe poderá estar, materialmente, a ser aplicada uma sanção disciplinar de repreensão para efeitos do artigo 328.º, n.º 1, al. a) do CT e, deste modo, de que passou, a partir desse momento, a ter “cadastro” disciplinar. Consequentemente, pode colocar-se também a questão de saber se é legítima a invocação desse “cadastro” para efeitos de ponderação / acentuação do juízo de censura da conduta do trabalhador em futuro procedimento disciplinar.

Rui Rego Soares @ DCM | Littler