O final do mês de abril foi marcado pela recomendação feita ao Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), no âmbito do processo C-650/2022, de que as regras da FIFA relativas às relações contratuais entre jogadores e clubes, que constam do regulamento dos estatutos e transferências de jogadores, deverão ser consideradas contrárias às regras comunitárias da União Europeia, por se apresentarem restritivas em matéria de concorrência e livre circulação de pessoas.
Na base da questão está em causa um contrato de trabalho desportivo que foi celebrado entre um jogador e um clube, tendo este último rescindido o contrato um ano após a sua execução, por alegado incumprimento e rescisão do contrato sem justa causa por parte do jogador. Deste tipo de litígio resulta a obrigação de pagamento de uma indemnização por parte do jogador à sua anterior entidade patronal, vigorando um regime de responsabilidade solidária entre o jogador e a sua nova entidade empregadora.
Neste sentido, foi então alegado que estas disposições são suscetíveis de violar a concorrência entre clubes e a livre circulação de pessoas, no sentido em que a existência de responsabilidade solidária entre o jogador e o novo clube poderá «desencorajar ou dissuadir os clubes por contratarem o jogador por receio de exposição a um risco financeiro», o que, em casos mais graves, poderá levar a que um jogador se encontre impedido de exercer a sua atividade profissional, afetando diretamente a sua liberdade de trabalho.
Em Portugal, considerando a inexistência jurídica da figura da rescisão, questiona-se se o que está verdadeiramente em causa se trata de uma resolução ou de uma denúncia, considerando que o art. 23.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, concretiza que o contrato de trabalho desportivo pode cessar por resolução com justa causa por parte do praticante desportivo, ou por denúncia por iniciativa deste último, quando contratualmente convencionado, definindo ainda a denúncia como a cessação unilateral e sem justa causa, mediante o pagamento de uma indemnização (art. 25.º do referido diploma).
Ora, tratando-se da resolução do contrato, considerando que a mesma exige justa causa, a inexistência da mesma conduzirá à obrigação de pagamento de uma indemnização pelos prejuízos causados, estando em causa uma resolução ilícita, cabendo o pagamento da mesma à parte que deu causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente (cfr. art. 24.º da Lei n.º 54/2017).
Tratando-se de uma denúncia, e como já fora mencionado, a mesma não exige a existência de justa causa, exigindo antes o pagamento à entidade empregadora de uma indemnização fixada para o efeito, quando tal tenha sido contratualmente estipulado – a denominada cláusula de rescisão – devendo o novo clube responder solidariamente pelo pagamento da referida indemnização, no caso de não ser ilidida a presunção legal contida no n.º 1 do art. 26.º da Lei n.º 54/2017.
Ainda que tal não seja o objetivo principal, ambas as disposições acarretam um ónus financeiro para um futuro empregador, que poderá conduzir a um desinteresse contratual em recrutar o praticante desportivo em questão, afetando, ainda que indiretamente ou em segundo plano, a liberdade de trabalho do jogador, que se vê restringido e impedido de ser contratado pelo clube no qual tenha interesse (ou outro qualquer), o que, em casos extremos, levará a um impedimento de exercício da atividade profissional designada.
Se adotada pelo TJUE, a posição recomendada poderá vir a mudar o mundo das transferências e os costumes contratuais próprios do mundo desportivo. O que poderá acontecer à característica solidariedade existente entre futuro empregador e jogador? Será este o início do fim das cláusulas de rescisão?
Aguardaremos ansiosamente a decisão.
Marta Coelho Valente @ DCM | Littler