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Ruído causado pela laboração da empresa: que responsabilidade?

By 19 Fevereiro, 2024No Comments

O que à partida pode ser a simples laboração de uma empresa, rapidamente se pode transformar num pesadelo, de tirar o sono a qualquer um!

A questão planteou-se diante da douta apreciação dos nossos Tribunais, em que de um dos lados se situavam direitos de livre iniciativa económica e direitos de propriedade privada e do outro lado da barricada direitos absolutos de personalidade. Parece algo complexo, mas a questão resume-se a uma simples palavra: Ruído!

A demandante recorreu à justiça como forma de travar o ruído e o incómodo que um determinado estabelecimento comercial (café/pub), que se situava em frente de sua casa, causava durante o período de funcionamento, não a deixando dormir e tomar do sossego do seu lar.

Entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, na senda da decisão proferida pela Relação de Coimbra, que o ruído provocado por música e conversas de um estabelecimento que impeça o sono e o descanso de quem habita em frente deste estabelecimento, constitui uma violação de um direito de personalidade, mesmo que o nível de ruído não exceda os limites fixados no Regulamento Geral de Ruído.

Em causa está o direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade, enquadrado nos direitos de personalidade, com previsão normativa no art. 70.º, do Código Civil (CC), no art. 2.º e 22.º, da Lei n.º 11/87, de 07 de abril (Lei de Bases do Ambiente) e no DL. n.º 9/2007, de 17 de janeiro  (Regulamento Geral do Ruído), direito esse que, enquanto emanação dos direitos fundamentais à integridade física e moral, à proteção da saúde e a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado – corolário da dignidade humana, com consagração constitucional – deverá prevalecer em confronto com outros direitos fundamentais.

Considera a judicatura pátria que diante de um caso de colisão entre direitos fundamentais – como são os direitos de personalidade e os direitos económicos e de propriedade privada – vem sendo jurisprudência constante que a busca do instrumento que melhor promova o valor da Dignidade Humana deve ser o princípio norteador da solução do caso concreto, devendo os direitos absolutos e incindíveis do individuo prevalecer aos direitos económicos – cfr. art. 335.º, n.º 2, do CC.

Entende o Tribunal que o facto de um determinado estabelecimento estar licenciado para uma determinada atividade comercial e em cumprimento das demais normas administrativas, não isenta os gerentes do dever de especial prevenção contra ruídos que afetem o direito ao descanso e ao sossego de quem habita nas proximidades, pois os deveres do dono do estabelecimento não se confinam ao ruído produzido no seu interior, devendo evitar que nos locais sob o seu domínio ocorram factos perturbadores de direitos de terceiros, o que poderá ser gerador de responsabilidade civil extracontratual.

Considera o Tribunal que a restrição de horário de laboração e a insonorização do espaço constituem medidas adequadas à tutela dos direitos de personalidade, sem impossibilitarem o direito ao exercício de uma atividade económica.

Ainda que diante de um confronto entre dois direitos fundamentais, com importância no quadro constitucional, a prevalência do direito à integridade física, de que o direito ao sono, ao repouso e à tranquilidade é parte integrante, em prejuízo do direito à livre iniciativa económica da empresa, deve revestir especiais cautelas, na medida uma vez que a delimitação deste direito da empresa deve, ainda assim, possibilitar a continuação do exercício do direito à iniciativa económica privada e o funcionamento de determinado estabelecimento comercial.

Gonçalo Caro @ DCM | Littler