Os acidentes de trabalho ocupam uma boa parcela da Jurisprudência portuguesa e traduzem números algo expressivos nas bases de dados nacionais sobre sinistralidade laboral. O Código do Trabalho veio consagrar o direito dos trabalhadores e seus familiares à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho (art. 283.º/1) e remetendo para a Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro (Lei de Acidentes de Trabalho) as situações da exclusão ou agravamento do dever de reparação (art. 283.º/4).
O Ac. do TRL de 15.05.2019 (Celina Nóbrega), proc. 20644/15.5T8LSB.L1-4 veio colocar novas e relevantes questões sobre a descaraterização do acidente de trabalho e sobre o conceito de acidentes in itinere. Quid iuris, portanto, se uma trabalhadora, enquanto dirigia para sua casa, sair do carro, no trânsito parado, para abordar o condutor que seguia na sua frente dizendo-lhe “bateste-me no carro” e “pára”, batendo-lhe no vidro, agarrando-se ao carro e correndo ao lado deste? E se o carro arrancar, na mudança da sinalização, caindo a referida trabalhadora por se ter desequilibrado ou tropeçado, vindo esta a ser mortalmente atropelada?
No entender do Tribunal, existe, sim, acidente no trajeto, inserível no elenco taxativo do art. 9.º, com especial incidência no n.º1, alínea a) articulado com o n.º3 da LAT, para abranger os desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador. Argumentou-se a necessidade de vida pessoal da trabalhadora, considerando este comportamento como sendo “normal de um trabalhador naquela situação da sinistrada”, no meio do trânsito, no final do dia de uma sexta-feira. A questão, ainda assim, suscitou dúvidas no que respeita ao art. 14.º/1, alínea b) da LAT, que desresponsabiliza ou limita a responsabilidade do empregador com base na exclusiva negligência grosseira do sinistrado. Em conclusão decidiu-se pela: i) não descaraterização do acidente por proveniência exclusiva de negligência grosseira, uma vez que o comportamento não se figura como inútil, despropositado ou indesculpável, pese embora a reserva do comportamento de se agarrar a veículo de terceiro; ii) inexistência de exclusividade causal na produção do acidente, dada a concorrência da atitude adotada pelo terceiro, condutor do veículo atropelante.
David Carvalho Martins | Tiago Mousinho