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Segredos no trabalho: Constitui uma defesa? De quem?

By 9 Novembro, 2022No Comments

O CT e demais legislação funcionalmente conexa encontra-se repleto de normas que protegem informações sensíveis (dados pessoais ou informações comercialmente sensíveis), v.g., (i) na defesa da personalidade do trabalhador e empregador, não só quanto aos domínios da vida privada e familiar, como a inadmissibilidade do acesso a informações médicas e, ainda, do sigilo das comunicações (arts. 14.º e ss., e ainda os arts. 70 e ss. CC), (ii) na mútua exigência de boa fé no relacionamento das partes (arts. 102.º e 126.º, bem como no espetro civil, v., arts. 227.º e 762.º/2, ambos CC), (iii) na exigência de lealdade, concretizada em diferentes valências [não concorrência e sigilo de informações] (art.128.º/1, f)), (iv) nos deveres especiais referentes aos representantes dos trabalhadores (arts. 412.º a 414.º, e, ainda, no espetro processual, v. o meio reativo, cfr. arts. arts. 186.º-A e ss., CPT).

A jurisprudência nacional melhor tem concretizado a dinâmica do segredo como manifestação da proteção do trabalhador; maioritariamente na valência da proibição do acesso a determinadas informações (factos da vida privada ou familiar, informações médicas e sensíveis). Contudo, outras valências podem ser destacadas, nomeadamente ao nível da não utilização da informação (ex: os casos de escola sobre a inadmissibilidade de utilização de certos factos da vida privada ou familiar em sede disciplinar), ainda que o empregador possa ter condição de licitude quanto ao acesso. No limite, ainda, quanto à não divulgação da informação (ex: num tema muito em voga, a conservação da confidencialidade de uma denúncia efetuada por trabalhador, arts. 9.º, 18.º e 27.º. c) da Lei 93/2021, 20.12.). Constituindo, desta forma, uma tríade de valências do segredo que, em regra, protegem o trabalhador no contexto laboral.

O mesmo se dirá a propósito do empregador, por norma, comerciante. Desde as regras que impõem um comportamento leal ao trabalhador, supra referenciadas, aos casos de sigilo específico, com foro deontológico ou não (v.g., sigilo profissional, do advogado, bancário, estatístico, médico), ao sigilo mercantil (arts. 40.º e ss., C.Com. e art. 435.º CPC), bem como à respetiva tríade de não aceder, não utilizar e não divulgar segredos negociais do (ex-)empregador (arts. 313.º e ss. CPI), ou de, pura e simplesmente, em futuro, não entrar em concorrência desleal com o ex-empregador (art. 311.º CPI).

Reflita-se que o domínio da proteção do segredo poderá assumir dignidade jurídico-penal (cfr. arts. 195 e ss. CP).

Os terceiros à relação de trabalho não constituem exceção. Desde logo porque a legislação em matéria da proteção de dados é transversal e indiferente quanto à qualificação dos sujeitos no domínio laboral (ora, empregador, trabalhador, clientes, distribuidores, fornecedores ou meros parceiros negociais), sendo sempre aplicável o RGPD e LERGPD para a proteção da informação – constituindo particular preocupação quando as relações de trabalho comportem a transmissão de dados para fora da União Europeia.

O STA já definiu, aliás, alguns contornos nas condições da proteção de segredos de terceiros, que não constituem dados pessoais, em contexto de recrutamento (cfr. Ac. 1/2020 (JORGE ARTUR MADEIRA DOS SANTOS), proc. 2006/18.4BALSB).

Em conclusão, embora seja comum encontrar referências ao facto de o segredo não ser compatível com as liberdades e direitos do homem, v.g., em sede da autodeterminação informacional (cfr. J.J. GOMES CANOTILHO, Direito constitucional e teoria da Constituição, 7.ª Ed., Almedina, 2003, p. 514), a verdade é que o segredo poderá constituir uma espada de dois gumes. Poderá assumir, aliás, uma natureza comunitária de proteção quanto a todos os sujeitos que dele pretendem beneficiar.

Estaremos atentos a este desenrolar.

Tiago Sequeira Mousinho @ DCM | Littler