A ideia de que a relação de trabalho se baseia na confiança entre as partes (sobretudo da confiança que o empregador tenha relativamente ao trabalhador), de que se trata de uma relação com traços fiduciários particularmente fortes – de que, em suma, a “quebra de confiança” torna inviável o prosseguimento da mesma relação – tem por si uma longa tradição jurisprudencial e mesmo doutrinal.
Essa mesma ideia surge reforçada quando se trata de funções ditas “de confiança”, que implicam um acesso a informação e uma liberdade de atuação diferenciados, com reflexos diretos nos interesses mais relevantes da organização empregadora.
O acolhimento da relevância geral e irrestrita da confiança como pilar da relação de trabalho, mesmo para além dessas funções “de confiança”, tem orientado muitas decisões judiciais em que esse fator é admitido no mais elevado nível de inerência à boa saúde das interações entre empregador e trabalhador – com o corolário de que um qualquer grau de dissipação da confiança pode ser considerado bastante para justificar um despedimento. Isso é particularmente visível quando se trata de litígios surgidos no âmbito do sector bancário, relativamente aos quais o elemento “confiança” é muitas vezes tomado como critério de valor com peso decisivo no julgamento.
A jurisprudência, no entanto, esboça uma orientação decisória assente na ideia de que a “confiança” pode apresentar-se sob duas formas: uma, que podemos designar por “subjetiva”, definidora da relação psicológica entre duas pessoas e baseada em fatores impressionistas, como o aspeto físico, o modo de vestir, a expressão verbal, aquilo que se ouve dizer, a rede de relações pessoais que se conhece; outra, que chamaremos “objetiva”, que assenta em comportamentos específicos (no caso das relações laborais, comportamentos inerentes ao desempenho profissional), visando as expectativas que esses comportamentos suscitam em relação a condutas futuras no mesmo âmbito.
Essa distinção parece estar implícita num acórdão bastante recente do STJ (STJ 24/05/2023 – Pº 2318/21.0T8ALM.L1.S1, relator Júlio Gomes), em que se decidiu acerca no sentido da ilicitude do despedimento de um gerente de agência bancária.
A súmula desse acórdão é clara: “O nosso ordenamento não conhece um despedimento disciplinar por pura perda de confiança”. E a fundamentação não deixa dúvidas sobre o que se quer dizer: “ (…) o nosso ordenamento não conhece um despedimento por pura perda de confiança, mesmo no caso de trabalhadores bancários que exercem funções de confiança, como é o caso. (…) Não basta, pois, uma mera suspeita para que se possa falar de justa causa de despedimento, exigindo-se a prática pelo trabalhador de uma infração disciplinar grave, tanto no plano subjetivo, como objetivo. Ora, não se vislumbra qualquer infração com semelhante gravidade”.
O gerente em causa praticou algumas irregularidades, no sentido da inexatidão do cumprimento das regras internas de procedimento, gerou alguma suspeita (reação psicológica, mas nada se provou de importante.
Apesar de tudo, esta decisão é capaz de causar abalo a algumas convicções tradicionais em matéria de relevância laboral da confiança.
António Monteiro Fernandes @ Of Counsel, DCM | Littler