As relações laborais, como relações interpessoais, são suscetíveis de potenciar situações de stress, tensão ou mesmo conflito. Nesta linha, não raras vezes um trabalhador reclama o reconhecimento de situações que qualifica de assédio moral (mobbing) e, por consequência, peticiona o pagamento da respetiva indemnização a título de danos não patrimoniais.
Devemos referir que o assédio moral, de acordo com o artigo 29.º n.º 2 do Código do Trabalho (“CT”), consiste no comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
Também sobre o tema vide Assédio moral, constrangimento profissional ou conflito laboral?; O assédio moral (in)existe: requisito oculto?; “Boreout” – Um novo tipo de assédio?.
As situações de assédio moral podem ser difíceis de sustentar em sede judicial por força de dificuldades de prova, no entanto, questionamos: restará alguma via tendo em vista penalizar o empregador que pratique assédio, violando os direitos pessoais dos trabalhadores? Quando não se logra provar a existência de assédio, tem-se entendido não estar o Tribunal impedido de afirmar a existência de uma violação dos direitos do trabalhador suscetível de desencadear a responsabilidade civil do empregador (Ac. STJ de 29.1.2020 (Júlio Gomes), processo n.º 1824.17.5T8VFX.L1.S1), desde que, igualmente, se provem os (difíceis) requisitos da responsabilidade civil.
Nesta senda, ainda no acórdão supra referido, se refere que há um vínculo muito estreito entre o artigo 15.º do CT (que consagra o direito à integridade física e moral do empregador e do trabalhador, em sede laboral) e o artigo 29.º do CT. Mesmo a prevenção (e repressão) do assédio representam, em última análise, um afloramento ou um caso particular de tutela da integridade física e moral do trabalhador.
Em caso de assédio existe, igualmente, a violação de deveres laborais por parte do empregador? Em resposta se refere, no acórdão supra referido, que mesmo que um determinado caso não possa ser qualificado de assédio, não está liminarmente afastada a possibilidade de se concluir ainda assim que o empregador violou o seu dever de respeito pela pessoa do trabalhador (artigo 127.º n.º 1 alínea a) do CT), bem como o de lhe proporcionar boas condições de trabalho (artigo 127.º n.º 1 alínea c) do CT), violação essa suscetível de acarretar responsabilidade civil.
Pode ainda perguntar-se: está o Tribunal limitado pelo pedido formulado pelo trabalhador na ação judicial (indemnização por assédio moral), conforme decorreria do princípio do dispositivo e da limitação contida no artigo 609.º do Código do Processo Civil? A resposta poderá ser distinta, mas no caso analisado no acórdão o trabalhador alegou ser vítima de assédio, designadamente pelo seu empregador, e alegou também a violação dos deveres já referidos e o desrespeito pela sua integridade física e moral.
Assim, poderá concluir-se, no que foi também entendimento perfilhado pelo Tribunal, que para além da liberdade de qualificação jurídica dos factos que cabe ao Tribunal, não se verifica qualquer violação do princípio da limitação pelo pedido. Em qualquer caso, em Processo de Trabalho o artigo 74.º do Código do Processo de Trabalho consagra uma regra de mitigação deste princípio
Luísa S. Pereira | Ana Amaro | DCM LAWYERS