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Será proibido “proibir” a contratação de futebolistas?

As disciplinas de Direito do Trabalho e de Direito da Concorrência – à partida sem grande correlação – prometem ocupar um lugar de debate na atualidade portuguesa. Não será de estranhar a sua importância, visto que o Direito da Concorrência pode desempenhar algum papel, por exemplo, em temas da contratação coletiva, do conteúdo das convenções coletivas e da definição do conceito de “trabalhador” (cfr. arts. 45.º e ss. e arts. 101.º e ss. do TFUE).

Em contexto do COVID-19, a AdC veio, no seu Comunicado 8/2020, impor a medida cautelar à Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) de suspensão da deliberação desta destinada a impedir a contratação de futebolistas que promovam a cessação unilateral do contrato de trabalho, invocando questões provocadas pela pandemia de cariz internacional.

Está, por isso, em causa um “acordo de não contratação” entre empresas (“no poach agreements”): uma renúncia à concorrência pela (não) aquisição de recursos humanos. As empresas comprometem-se mutuamente a não fazer ofertas espontâneas ou a contratar trabalhadores a outras empresas que façam parte do mesmo acordo. No espetro jusconcorrencial, estes acordos são tidos como restrições de cariz horizontal hardcore (per se) e configuram uma verdadeira concertação ilícita: diminuindo a inovação, diminuindo a quantidade transacionada no mercado ou aumentando os preços cobrados aos consumidores.

A referir que este tipo de acordos em nada se relaciona com os pactos de não concorrência ou de permanência, bem como acordos de exclusividade. Porquanto nestes últimos, atende-se à vontade e liberdade – esta última autolimitada – do próprio trabalhador. Estes meios, de modo diverso, poderão configurar alternativas lícitas (cfr. os arts. 136.º e ss. do CT). Os “no poach agreements” configuram precisamente aquilo que o art. 138.º do CT visa afastar: “é nulo o acordo entre empregadores, nomeadamente em cláusula de contrato de utilização de trabalho temporário, que proíba a admissão de trabalhador que a eles preste ou tenha prestado trabalho, bem como obrigue, em caso de admissão, ao pagamento de uma indemnização”.

O bem jurídico da Concorrência, enquanto bem suis generis, tem aqui, também, uma incidência laboral bastante forte. Poderá ser salientado que, na perspetiva dos trabalhadores, é possível encontrar uma restrição grave à liberdade de trabalho quando uma entidade como a LPFP determina esta proibição: (i) entraves no mercado de trabalho; (ii) redução do poder negocial dos trabalhadores; e, consequentemente, (iii) uma maior dependência e subordinação do trabalhador aos interesses do seu empregador, esvaziando a esfera de interesse do primeiro. Em última análise, poderemos assistir a um degradar das condições contratuais e das próprias condições de trabalho do próprio trabalhador, reduzindo-o de pessoa a objeto.

Contudo, fica a seguinte questão em aberto: o art. 138.º do CT proíbe, de forma efetiva, todos os acordos de não agressão entre empregadores?

A atual crise em contexto de pandemia veio gerar uma imensidão de dúvidas, desde a interpretação-aplicação das normas vigentes à criação de novas medidas que sejam destinadas a mitigar os efeitos nefastos da futura regressão económica. Caberá ao interprete a importante tarefa de analisar os valores e efeitos em presença, no caso concreto.

David Carvalho Martins | Tiago Sequeira Mousinho | DCM LAWYERS