Skip to main content
Blog

Sindicato independente de trabalhadores, sim. Mas sindicato de trabalhadores independentes?

By 11 Fevereiro, 2024No Comments

Permitimo-nos recuperar um tema que já aqui foi abordado.

A Agenda do Trabalho Digno antecipou a introdução de alterações legais relativas à proteção dos trabalhadores independentes (pessoas singulares que prestam diretamente serviços e cujos rendimentos provenham do mesmo beneficiário em mais de 50% em cada ano civil). A avaliar pelo teor do art. 10.º-B do Código do Trabalho (CT), o legislador pretende que o âmbito da proteção destes trabalhadores se estenda à representação coletiva dos seus interesses, designadamente facultando-lhes o acesso à contratação coletiva. Dizíamos que a lei antecipou alterações porque a efetividade das mesmas ficou dependente da publicação de legislação específica. Enquanto isso não acontecer, não faltam motivos de reflexão.

O grau de dificuldade dos objetivos da futura “legislação específica” é variável.

Em princípio, não será difícil admitir que administrativamente sejam emitidos instrumentos jurídicos (semelhantes à portaria de extensão) que alarguem o âmbito de aplicação de convenções coletivas ou decisões arbitrais a trabalhadores independentes. Também não impressiona a possibilidade de, também pela via administrativa, serem estabelecidas condições mínimas de trabalho. Aliás, o próprio Código do Trabalho (CT) já equipara a posição dos trabalhadores independentes à dos trabalhadores dependentes quanto a vários setores normativos (designadamente, direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho). Finalmente, admite-se como plausível a possibilidade de haver representação coletiva dos interesses socioprofissionais dos trabalhadores independentes por comissões de trabalhadores. Sem prejuízo das questões que poderão vir a ser suscitadas quanto ao universo eleitoral que concorre para a designação dos membros da comissão de trabalhadores (que, por agora, não inclui trabalhadores independentes), é da lei que resulta a legitimidade de representação desta estrutura e essa legitimidade pode vir a abranger todas as formas de emprego e não apenas o contrato individual de trabalho.

Já no que se refere à representação coletiva por associações sindicais e à admissibilidade de serem negociados e celebrados instrumentos de regulamentação coletiva específicos para trabalhadores independentes, a expectativa adensa-se. Os sindicatos estão ligados a trabalhadores (stricto sensu) e a legitimidade da sua intervenção assenta num nexo de representação voluntária. Daqui resulta, por um lado, que será difícil admitir a filiação de não trabalhadores nas associações sindicais. Por outro lado, será igualmente difícil configurar que os sindicatos disponham de legitimidade para representar os interesses de quem não é filiado. Suscita ainda dúvidas a questão relativa ao financiamento do esforço negocial dos sindicatos quanto a trabalhadores não filiados. Será de ponderar o pagamento de um valor avulso para que o trabalhador independente passe a ser abrangido pelo instrumento de regulamentação negocial (em certa medida, à semelhança do que já ocorre com o art. 492.º, n.º 4 do CT)?

Causa ainda estranheza a passagem do novo art. 10.º, n.º 1 do CT quando determina que os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho negociais em vigor no âmbito do mesmo setor de atividade, profissional e geográfico, são aplicáveis a trabalhadores independentes. Levada à letra, a lei determinaria a aplicação automática do instrumento de regulamentação coletiva independentemente de qualquer outro requisito, designadamente filiação (requisito que sempre seria difícil de cumprir) e portaria de extensão. Ou seja, o trabalhador independente estaria ainda mais adstrito ao instrumento de regulamentação coletiva do que o próprio trabalhador com contrato de trabalho (dito de outro modo, o trabalhador independente estaria sempre e automaticamente integrado no âmbito subjetivo de aplicação de uma convenção coletiva ao passo que a mesma só se aplicaria ao trabalhador dependente se passasse o crivo da dupla filiação ou se houvesse portaria de extensão).

Nuno Abranches Pinto @ DCM | Littler