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Sistema de quotas para pessoas com deficiência: uma imposição atual ou iminente?

A matéria de igualdade e não discriminação revela extrema importância na relação laboral, quer durante a execução do contrato, quer no momento da sua formação. Este dever que impende sobre o empregador limita a liberdade negocial do empregador e decorre do princípio constitucional da igualdade cfr. art 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).   

Ora, como é de conhecimento comum, podem ser vários os motivos ou fatores de discriminação que, sem justificação condicionam o acesso ao emprego. Todavia, existem categorias que pela sua carga histórica se destacam enquanto “categorias suspeitas”.  Entre as mais comuns há que considerar, por exemplo, o género, a etnia, a religião, a deficiência, entre outras. Pois bem, é precisamente tendo em conta esta realidade que os legisladores internacional – europeu e nacional – se têm debruçado sobre a temática, emitindo orientações e diplomas com o propósito de assegurar uma realidade mais igualitária no trabalho para pessoas portadoras de deficiência.   

São exemplo desta promoção a Convenção n.º159, de 1983 sobre a Reabilitação profissional e emprego de uma pessoa portadora de deficiência bem como a Diretiva n.º2000/78/CE. ou  ainda o art.21.º, n.º1  previsto na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 

No plano nacional também encontramos normas com o mesmo objetivo, quer no Código do Trabalho, quer em legislação avulsa. Nesta sede, debruçar-nos-emos apenas sobre a legislação que impôs a necessidade de preenchimento de quotas para pessoas com deficiência e do impacto que estas podem ter para as empresas. 

Ora, a este respeito o Decreto-Lei n.º 29/2001, de 3 de fevereiro estabeleceu um sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência, com um grau de incapacidade funcional igual ou superior a 60%, em todos os serviços e organismos da administração central, regional autónoma e local.  Nestas condições, o Estado na sua qualidade de grande empregador, tomou a responsabilidade de promover a qualificação laboral do cidadão com deficiência, tornando, assim, possível o seu acesso a emprego qualificado. 

Por sua vez, a lei n. º46/2006, de 26 de agosto estabeleceu medidas de ação positiva de combate à discriminação que devem ser conciliadas com as com as normas gerais sobre discriminação previstas no Código de Trabalho. 

Mais recentemente, a Lei 4/2019 de 10 de janeiro estendeu a aplicação de um sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência, com grau de incapacidade ou superior a 60% visando a sua contratação por entidades empregadoras do setor privado e organismos do setor público. Vejamos em que medida. 

As médias empresas com um número igual ou superior a 75 trabalhadores devem admitir trabalhadores com deficiência, em número não inferior a 1 % do pessoal ao seu serviço enquanto as grandes empresas devem admitir trabalhadores com deficiência, em número não inferior a 2 % do pessoal ao seu serviço. 

Para apurar este número devem ser considerados os seguintes fatores:  

  1. No caso de empresas com um ou mais estabelecimentos estáveis ou representações e delegações, deve ser contabilizado o número total de trabalhadores da entidade empregadora. 
  2. As circunstâncias de  deficiência para aplicação do diploma encontram-se previstas no artigo 2.º da Lei n.º 38/2004, de 18 de agosto e estas devem poder exercer, sem limitações funcionais, a atividade a que se candidatam ou, apresentando limitações funcionais, estas devem ser superáveis através da adequação ou adaptação do posto de trabalho e ou produtos de apoio e detenham prova de incapacidade. 
  3. É necessária prova que ateste a deficiência. Isto é, o trabalhador deve deter uma certificação da deficiência e de determinação do grau de incapacidade. Esta certificação compete às juntas médicas dos serviços de saúde, através da emissão de atestado médico de incapacidades multiusos. 
  4. Para o apuramento numérico e cumprimento das quotas estabelecidas, é considerado o número de trabalhadores correspondente à média do ano civil antecedente. 
  5. Não relevam para este apuramento prestadores de serviço, estagiários ou quaisquer outras pessoas em regime de formação, estando este regime apenas previsto para os trabalhadores. 

Muito embora estas medidas já se encontrem em vigor, as entidades empregadoras dispõem de um período de transição para as aplicar, consoante a dimensão da empresa em causa. 

Assim, as entidades empregadoras com um número de trabalhadores compreendido entre 75 e 100 dispõem até 2024 e as com mais de 100 trabalhadores até 2023 para cumprir as obrigações que decorrem deste diploma. Não obstante esta referência, pode ocorrer que este período transitório se estenda por mais dois anos caso as empresas atinjam a tipologia de média empresa com um número igual ou superior a 75 trabalhadores, ou de grande empresa, durante o período de transição ou após o término do mesmo.  Apesar da nova realidade requerer tempo de adaptação não deixa de se reconhecer como necessária uma obrigação intermédia. Isto é, durante este período de adaptação o ideal é que, com vista ao cumprimento faseado das quotas previstas, as entidades empregadoras possam garantir em cada ano civil, pelo menos, 1 % das contratações anuais seja destinada a pessoas com deficiência.  

Ainda que estas medidas se encontrem previstas para médias empresas com mais de 75 trabalhadores ou a grandes empresas, estas podem ficar isentas de o aplicar. Vejamos em que situações.  

Podem ser excecionadas da aplicação da presente lei as entidades empregadoras que apresentem o respetivo pedido junto da Autoridade para as Condições do Trabalho, desde que o mesmo seja acompanhado de parecer fundamentado, emitido pelo INR, I. P., com a colaboração dos serviços do IEFP, I. P., da impossibilidade da sua efetiva aplicação no respetivo posto de trabalho.  

Podem ainda ser excecionadas do cumprimento destas regras as entidades empregadoras que façam prova, junto da ACT, nomeadamente através de declaração emitida pelo IEFP, I.P., que ateste a não existência, em número suficiente, de candidatos com deficiência, inscritos nos serviços de emprego, que reúnam os requisitos necessários para preencher os postos de trabalho das ofertas de emprego apresentadas no ano anterior. 

Tendo em conta o exposto, parece que caminhamos para uma maior consciencialização da necessidade de integração do trabalhador portador de deficiência. Todavia, embora estas medidas sejam recentes, não excluem a aplicação de outros mecanismos previstos na legislação laboral. Ora, por exemplo, o teletrabalho não se encontra especificamente consagrado para estas situações, mas afigura-se, certamente, como vantajoso ou essencial em determinados casos. Sem prejuízo destas referências e da especial reflexão que o estatuto do trabalhador deficiente requer, a estas, acrescerão aquelas que de futuro as mudanças dos padrões de trabalho impuserem.  

Inês Cruz Delgado| DCM Lawyers 

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