Recentemente, o Tribunal Constitucional pronunciou-se, no seu Ac. n.º 272/2021, declarando “a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da interpretação conjugada das normas contidas no artigo 334.º do Código do Trabalho e no artigo 481.º, n.º 2, proémio, do Código das Sociedades Comerciais, na parte em que impede a responsabilidade solidária da sociedade com sede fora de território nacional, em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa, pelos créditos emergentes da relação de trabalho subordinado estabelecida com esta, ou da sua rutura”.
Quer isto dizer que não se isentam de responsabilidade (solidária) por créditos laborais, de violação ou cessação (vencidos há mais de 3 meses) as sociedades com sede fora de território nacional, que estejam numa relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa, desde que o trabalhador tenha uma relação laboral com esta última.
Trata-se de uma solução que veio garantir a posição do trabalhador, operando-se um reforço material no pagamento de créditos laborais. Desta feita, removendo um obstáculo ou uma imunidade que era conferida às sociedades com sede fora do território nacional, mas que estavam numa relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa.
O TC veio, assim, clarear a dificuldade interpretativa (e concreta aplicação) resultante da articulação entre as regras do Código do Trabalho e o Código das Sociedades Comerciais. Enquanto a lei laboral prossegue um fim de garantir os créditos do trabalhador, no universo de grupos (norma geral), a lei societária-comercial recorta o leque de sujeitos a responsabilizar (apenas a sociedades nacionais) [também norma geral].
Influência (e risco) comum, responsabilidade comum? Só para sociedades sediadas em território nacional? E as demais que estão numa relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com estas? Qual a razão que serve de fundamento e que permite um tratamento diferenciado? O trabalhador tem mais garantias apenas perante sociedades com sede em território nacional e que sejam enquadráveis naquela situação?
O Tribunal não conferiu maior peso ao argumento da captação de investimento estrangeiro, não só pela falta de correspondência com o conceito de sociedades de capitais estrangeiros, como pela situação material de desigualdade gerada entre trabalhadores em igual posição e dignidade social. Neste caso, o Tribunal firmou ser essencial conferir as mesmas garantias salariais à luz de um princípio de igualdade (art. 13.º da CRP).
Não se trata, por certo, de um tema fácil. Nesta decisão em apreço concorreram declarações de voto vencido com fundamentos, entre outros (i) a existência de uma intenção legislativa em conferir maior proteção aos casos onde existe um contacto mais forte com a ordem jurídica portuguesa; (ii) constatar a existência de um fundamento (razões de política legislativa compatíveis); (iii) a possibilidade de autolimitar a responsabilidade solidária de sociedades coligadas ao nível da Jurisprudência do TJUE (e primado do Direito da UE); (iv) não ser provido de sentido abordar um problema de igualdade quando a lei portuguesa não é aplicável a ambas as situações.
Será, sem margem para dúvidas, um tema a acompanhar no futuro.
Tiago Sequeira Mousinho | DCM Lawyers