Numa experiência social recente, em contexto laboral, um editor de vídeo norte-americano explicou-nos como é possível “não estar e estar”, simultaneamente, numa reunião de trabalho. No fundo, como proceder nos fenómenos de “prerecording” (gravações prévias e editadas) para simular a presença nas reuniões de trabalho, diante de colegas, superiores hierárquicos e empregador.
O trabalhador decidiu testar o seu plano e, com sucesso, passou despercebido, operando a sua “fraude audiovisual” durante uma semana na plataforma “Zoom” – uma ferramenta bastante útil e atual,abordada no artigo do Professor Doutor Guilherme Dray em “Triunfo do Teletrabalho”, datado de 28 de Abril de 2020, em tempos de pandemia.
Tudo isto graças à tecnologia automatizada – própria da Indústria e Trabalho 4.0. – que não parece dar tréguas à atual legislação laboral; será a presença digital uma ameaça a determinados deveres específicos do contrato de trabalho, nomeadamente os de assiduidade e pontualidade [art. 128.º/1, b) do CT]?
O teletrabalho – bem como o trabalho à distância ou teletrabalho impróprio – como já havíamos referenciado, não pode nem deve ser encarado numa perspetiva de “one size fits all” – quer isto dizer que, se existem inúmeras vantagens por um lado, por outro, existem iguais inconvenientes.
Os poderes de fiscalização e de conformação da atividade profissional sofreram, dessa forma, um substancial enfraquecimento e é-nos devida a menção que as entidades empregadoras estão vedadas de proceder à chamada “vigilância oculta” (à distância), bem como de proceder com quaisquer outros métodos de espionagem desleais (p.e. vigilância ou reconhecimento facial por web cam, o constante rastreio do histórico de browser dos trabalhadores, pela instalação de microfones dissimulados ou mecanismos de escuta e registo telefónico). Isto, ora por força dos arts. 20.º e 21.º , ora pelo art. 170.º/1 e 2 nas hipóteses de teletrabalho: (i) pois o empregador tem o dever de respeitar a privacidade do trabalhador, respeitando os tempos de descanso e de repouso da família deste, bem como proporcionar-lhe boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como psíquico; (ii) sendo o teletrabalho realizado no domicilio do trabalhador, a visita ao local de trabalho só deve ter por objeto o controlo da atividade laboral, bem como dos instrumentos de trabalho e apenas pode ser efetuada entre as 9 e as 19 horas, com assistência do trabalhador ou de pessoa por ele designada.
A transposição da experiência social referida para a realidade profissional é bastante propícia para suceder em ambientes de trabalho onde as reuniões são obrigatórias e onde se exige a presença de todos os colaboradores, ainda que nem todos tenham de, efetivamente, participar ou contribuir. Como poderá o empregador fiscalizar a atividade? Com os denominados “awareness tests”, ou seja, chamar efetivamente o trabalhador a participar na conversa? Uma “chamada virtual”?
Discute-se, por fim e para efeitos de justa causa para despedimento, a possibilidade de tal comportamento configurar: (i) uma verdadeira mentira – um ato doloso do trabalhador – para enganar o seu empregador; (ii) uma falta injustificada; (iii) e, mesmo, que o trabalhador não esteja ausente, mas pratique este ato para operar outras tarefas, estaremos nós diante de uma recusa injustificada de trabalho (desobediência ilegítima a ordens)?; (iv) ou mesmo um desinteresse (repetido ou não) pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que esta afeto? Será este um caso de: (i) um comportamento ilícito e culposo; (ii) que, pelas sua gravidade, consequências e abalo da confiança; (iii) torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho (inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral)?
Mais criativa do que a mente do intérprete será, por certo, a realidade empresarial onde múltiplas dúvidas são colocadas e de onde nasce um verdadeiro “Admirável Mundo Novo” de desafios para a interpretação-aplicação das normas jurídico-laborais. Ficaremos atentos.
Tiago Sequeira Mousinho | DCM LAWYERS