O teletrabalho ganhou palco e relevância, no mundo e em Portugal, com a experiência proporcionada pela pandemia, onde se deu o crescimento mais significativo, desde a sua introdução no Código do Trabalho em 2003.
O teletrabalho invadiu o quotidiano laboral e alterou o paradigma das relações laborais, tal qual como o conhecíamos. Os acidentes de trabalho em teletrabalho, configuram um dos exemplos dos desafios que este coloca no dia a dia laboral.
O Tribunal do Trabalho de Cáceres (Juzgado de lo social de Cáceres), em decisão de 26 de outubro de 2022, considerou acidente de trabalho a queda de uma trabalhadora que retornava à secretária de trabalho após ida à casa de banho. O Tribunal entendeu que, ninguém colocaria em questão uma queda de um(a) trabalhador(a), que estando numa fábrica, loja ou outra, caísse ao voltar da casa de banho para o local efetivo de trabalho. Assim, por forma a evitar a falta de proteção do teletrabalhador, e não existindo qualquer razão lógica e factual que afaste os pressupostos legais, deve ser considerado acidente de trabalho. Concluiu o Tribunal que, o acidente ocorreu, quando a trabalhadora se deslocava à casa de banho para satisfazer necessidades fisiológicas, que são comuns a qualquer trabalhador(a), independentemente do local onde prestam o trabalho. Mais acrescentou o Tribunal que no referido caso não existe qualquer interrupção do nexo causal, como acontece, por exemplo, na situação em que um(a) trabalhador(a), no tempo de trabalho, se desloca à cozinha e se corta acidentalmente com uma faca.
O Tribunal, salvo melhor opinião, parece socorrer-se do tipo de lesão para afastamento ou manutenção do nexo causal. Nesta medida, sendo a queda da trabalhadora, no caso concreto, uma lesão que expectavelmente poderia ocorrer no local de trabalho habitual (que não o domicílio), não parece poder deixar de se considerar como acidente de trabalho.
Volvido o caso concreto para a lei portuguesa, qual poderia ser o entendimento dos Tribunais portugueses?
O art. 8.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (doravante LAT), dispõe que “[é] acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.”.
Por sua vez, o art. 8.º n.º 2, al. b) da LAT, refere que “«[t]empo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.”.
Ainda, o art. 8.º, n.º 2, al. c) da LAT, refere que “No caso de teletrabalho ou trabalho à distância, considera-se local de trabalho aquele que conste do acordo de teletrabalho.”
Não sendo possível ter todos os contornos de facto, da breve análise da factualidade disponibilizada na sentença, pode, hipoteticamente, concluir-se que (i) o domicílio é o local de trabalho (constante do acordo de teletrabalho); (ii) a ida à casa de banho é tida como uma interrupção normal ou forçosa do trabalho; e, assim, (iii) a queda ocorreu no tempo e local de trabalho. Pelo que, goza da presunção legal de ser considerado acidente de trabalho.
Aguardamos com curiosidade intelectual (mais) jurisprudência (nacional) sobre estas temáticas e, bem assim, a necessária influência da mesma no futuro das relações laborais.
Ana Amaro @ DCM | Littler