A pandemia atual de COVID-19 forçou as empresas e os trabalhadores (por via da entrada em vigor do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, e do artigo 6.º do Decreto n.º 2-A/2020, de 18 de março) a adaptarem-se à realidade do trabalho à distância (teletrabalho), efetuado a partir do domicílio dos trabalhadores.
Esta forma de trabalho coloca sempre alguns desafios adicionais relativamente ao controlo da atividade do trabalhador, sendo que o Código do Trabalho prevê a possibilidade de o empregador se deslocar ao domicílio do trabalhador (quando seja esse o local de trabalho estipulado), entre as 9 e as 19 horas, com a assistência do trabalhador ou de pessoa por ele designada.
Porém, e uma vez que tal não constitui uma alternativa viável em tempos de COVID-19, poderá o empregador socorrer-se de meios de controlo à distância (digitais) da performance do trabalhador? Tal poderá colidir frontalmente com o direito à proteção dos dados pessoais e o direito à privacidade dos trabalhadores, pelo que se impõe alguma cautela e ponderação por parte das empresas.
A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) emitiu uma orientação relativamente a esta questão no passado dia 17.04.2020, no sentido de ter plena aplicação no quadro atual de teletrabalho em tempos de COVID-19 “(…) a regra geral de proibição de utilização de meios de vigilância à distância, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador”, emergente do artigo 20.º n.º 1 do CT, o que resultaria, de resto, de acordo com a CNPD, dos princípios da proporcionalidade e da minimização dos dados pessoais, princípios gerais e basilares em matéria de proteção de dados pessoais (cfr. Considerando 4 e artigo 5.º do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016).
Tal entendimento sai reforçado (i) atendendo a que não foi criado, no quadro legislativo de COVID-19, qualquer norma excecional que consagre a possibilidade de utilização de meios tecnológicos para controlo à distância da prestação do trabalho por parte do trabalhador; (ii) e, por outro lado, considerando que a prestação de teletrabalho em face da situação da pandemia de COVID-19 não se enquadra, por si só, nas exceções à referida regra geral previstas no artigo 20.º n.º 2 do CT.
A CNPD concretiza que não será possível às empresas recorrerem a qualquer meio tecnológico destinado ao controlo da atividade do trabalhador, como sejam softwares de controlo dos tempos de atividade e inatividades ou de controlo dos sítios da internet visitados, nem obrigar os trabalhadores a manterem as câmaras de vídeo permanentemente ligadas ou imporem a gravação de videoconferências.
Porém, e de acordo com as orientações da CNPD “(…) o empregador poderá adotar soluções tecnológicas específicas neste regime de teletrabalho para proceder ao registo de tempos de trabalho”, o que significa que as empresas poderão controlar o início e termo da prestação de trabalho e, bem assim, a pausa para o almoço, quer através de mecanismos de gestão de tempo e/ou de registo de horas, quer por via de mensagem de texto, e-mail ou contacto telefónico.
Em suma, o controlo da atividade do trabalhador terá que continuar a ser feito nos moldes legalmente previstos – não sendo admissível o recurso a métodos excessivamente lesivos e/ou invasivos da esfera privada do trabalhador -, e não se poderá destinar a outros fins que não os previstos na lei, como seja o controlo da assiduidade do trabalhador.
Poderão ser adotados alguns mecanismos (legítimos) de controlo substantivo da prestação de trabalho, nomeadamente o estabelecimento de metas/objetivos pelo empregador e, subsequentemente, a análise da velocidade e/ou capacidade de resposta por parte do trabalhador ou outros mecanismos que o empregador considere adequados.
Tudo isto nos leva a concluir que, não obstante as especificidades da prestação de trabalho no quadro atual de COVID-19, o princípio da confiança entre o empregador e o trabalhador continua a ser a força motora e o sustentáculo da relação laboral, independentemente da conjuntura.
Por fim, não podemos deixar de notar que a escolha das medidas adequadas ao controlo formal e substancial da prestação de trabalho terá que ser feita por cada organização, numa base casuística, atendendo à dimensão e à complexidade da estrutura organizativa do empregador, à luz princípios da proporcionalidade e da minimização dos dados e com base num juízo de bom senso.
Luísa Pereira | DCM LAWYERS