Skip to main content
Blog

“Trabalho à chamada” e o tempo de trabalho: estou a trabalhar?

By 2 Fevereiro, 2022No Comments

Seguindo o Pedido de Decisão Prejudicial 20.05.2020, proc. C-214/20 e o Acórdão do TJ de 11.11.2021, proc. 214/20, ECLI:EU:C:2021:909 encontramos novas pistas, providenciadas pelo TJ, a propósito dos temas de organização do tempo de trabalho e o cenário peculiar do “regime de prevenção”. No caso, um trabalhador sapador-bombeiro, em regime de prevenção e trabalho a tempo parcial. 

Este constitui um dos principais temas de discussão na fronteira dos tempos de trabalho e não trabalho. Ou, ainda para quem sustente, o chamado terceiro tempo. 

As consequências das orientações seguidas nesta querela são algo intuitivas, desde logo pela implicância direta na remuneração do trabalhador e no consequente tempo de descanso. Sobretudo, ocorrendo um infortúnio, poder-se-á equacionar um acidente de trabalho? 

Embora dogmaticamente se discuta (onde deverá ser efetuada) a verdadeira inserção: (i) se num tempo de trabalho, (ii) se num tempo de não trabalho, ou ainda (iii) se se deverá criar uma nova categoria, a verdade é que existem questões cuja resposta só poderá seguir um de dois sentidos: no que respeita aos pagamentos tenho de pagar? Sim, ou não?” E aqui, mesmo que a resposta seja afirmativa, pode ser levantada a dúvida se a remuneração deverá obedecer a uma regra geral ou específica do cálculo. 

Regressando ao caso primeiramente apontado, o sistema de prevenção implementado era de “disponibilidade contínua” à disposição da brigada do quartel. Sem ser obrigado, durante os seus períodos de prevenção, a estar presente num local determinado, tinha o dever, quando recebesse uma chamada de emergência para participar numa intervenção, esforçarse por chegar ao quartel nos cinco minutos seguintes à chamada e, em todo o caso, respeitar um prazo máximo de chegada de dez minutos. 

O período de prevenção era, em princípio, de 7 dias por semana e de 24h por dia. Apenas interrompido pelos períodos de férias e pelos períodos de ausência que são previamente notificados ao C.M. de Dublim e por este autorizados. Sendo que o trabalhador auferia um salário de base, pago mensalmente, onde se pretendia remunerar a sua prevenção em regime de disponibilidade contínua, bem como uma remuneração suplementar por cada intervenção. 

O trabalhador estava autorizado a exercer uma atividade profissional por conta própria ou por conta de uma segunda entidade patronal, desde que essa atividade não excedesse as 48h semanais em média. Em contrapartida, o trabalhador estava proibido de exercer tal atividade durante as horas do seu “período ativo de trabalho” como sapador bombeiro em regime de prevenção, sendo estas horas não só as horas passadas a intervir num sinistro, mas também as dedicadas às outras atividades da brigada, como os treinos. Saliente-se que o trabalhador devia residir e exercer as suas atividades profissionais a uma “distância razoável” do quartel da sua brigada, a fim de poder respeitar o prazo de chegada a esse quartel. 

O trabalhador considerou que as horas de prevenção deviam ser enquadradas enquanto tempo de trabalho e nesse sentido apresentou à autoridade nacional competente a reclamação que, administrativamente, seria indeferida. Interpondo recuso para o Tribunal do Trabalho. 

O trabalhador invocava: (i) a ligação permanente à chamada de urgência; (ii) a impossibilidade de conseguir organizar a sua vida familiar e social, bem como a sua outra atividade profissional enquanto motorista de táxi (que, na verdade, envolve uma necessária e elevada mobilidade geográfica na prestação do serviço), (iii) a sujeição ao poder disciplinar em caso de incumprimento dos pontos previamente enunciados. Em suma: “ao impor uma prevenção de 7 dias por semana e de 24h por dia, e ao recusar reconhecer que as horas de prevenção constituem tempo de trabalho, o C. M. de Dublim viola as regras em matéria de descanso diário, de descanso semanal e de duração máxima do trabalho semanal”. 

O C. M. de Dublim respondeu que os sapadoresbombeiros em regime de prevenção não são obrigados a permanecer num local determinado quando estão de prevenção. Além disso, se um sapadorbombeiro em regime de prevenção não chegar ao quartel no prazo máximo de chegada, a consequência é simplesmente não receber remuneração. Tendo em conta a flexibilidade do regime de disponibilidade contínua em causa, não se justifica qualificar as horas de prevenção como “tempo de trabalho”. 

Neste seguimento, o Tribunal do Trabalho irlandês suspendeu a instância e submeteu as questões prejudiciais ao TJ que podem ser encontradas no hiperlinks supra citados. 

O TJ concluiu que: “O artigo 2.o, ponto 1, da Diretiva 2003/88 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, deve ser interpretado no sentido de que um período de prevenção em regime de disponibilidade contínua assegurado por um sapadorbombeiro em regime de prevenção, durante o qual esse trabalhador exerce, com a autorização da sua entidade patronal, uma atividade profissional por conta própria, mas em que deve, em caso de chamada de emergência, chegar ao quartel ao qual está afetado no prazo máximo de dez minutos, não constitui «tempo de trabalho», na aceção dessa disposição, se resultar de uma apreciação global de todas as circunstâncias do caso, nomeadamente da amplitude e das modalidades dessa faculdade de exercer outra atividade profissional, e da inexistência de uma obrigação de participar em todas as intervenções asseguradas a partir desse quartel, que as restrições impostas ao referido trabalhador durante esse período não são de uma natureza tal que afetem objetiva e muito significativamente a faculdade de este último gerir livremente, durante o referido período, o tempo durante o qual os seus serviços profissionais enquanto sapadorbombeiro não são solicitados” (negrito e sublinhado nosso). 

Em nosso entender a resposta do TJ não é isenta de dúvidas, desde logo pelo facto de se socorrer a um amplo jogo de conceitos indeterminados. Estaremos, contudo, atentos às alterações e decisões a respeito. 

Hugo Silva Santos e Tiago Sequeira Mousinho @ DCM | Littler