O contexto pandémico vivido no mundo fomentou o recurso à prestação de trabalho à distância, tendo este fomento deixado a descoberto várias questões por resolver. Face a isto, os desafios são patentes em Portugal e no mundo.
Nesta senda, no passado dia 23 de setembro de 2020 foi publicado, em Espanha, o Decreto Real n.º 28/2020 no Boletim Oficial do Estado, que vem regular o trabalho à distância. O Decreto Real começa por estabelecer o âmbito de aplicação no seu artigo 1.º, que se deve conjugar com o artigo 1.º n.º 1 do Decreto Real n.º 2/2015, de 23 de outubro, estabelecendo que será aplicável a todos os trabalhadores que prestem trabalho remunerado por conta de outrem, dentro do âmbito da organização e sob a direção do empregador, desde que o trabalho à distância se preste com regularidade. Entende-se por regularidade o que seja prestado num período de referência de três meses, num mínimo de 30% do tempo de prestação de trabalho (prestado à distância), sendo que se a duração do contrato for superior a percentagem deve ser proporcional.
O Decreto Real n.º 28/2020 define no seu artigo 2.º, o trabalho à distância, o teletrabalho e trabalho presencial distinguindo, de forma clara, teletrabalho de trabalho à distância, algo que vem a ser referido como, digamos, farinha do mesmo saco desde que se incentivou o recurso ao trabalho à distância, seja ele teletrabalho ou não, para fazer face à crise pandémica vivida no mundo. Ainda no capítulo I do diploma é tratada a igualdade de tratamento e oportunidades e não discriminação dos trabalhadores que prestam trabalho à distância, sempre face às condições, deveres e direitos que teriam se prestassem trabalho presencial, em lugar físico do empregador.
O capítulo II do diploma (artigo 5.º a 8.º) regula toda a matéria referente ao acordo de trabalho à distância, as obrigações formais, o conteúdo obrigatório e as modificações ao mesmo. O acordo para trabalho à distância deve ser reduzido a escrito e pode estar incorporado no contrato de trabalho inicial ou se resultar de acordo posterior. Este deve conter um conteúdo mínimo obrigatório, sem prejuízo da referência à possibilidade de previsão de outros conteúdos por meio da negociação coletiva. A título exemplificativo, entre outros, temos: (i) o inventário de instrumentos e ferramentas de trabalho, mesmo os consumíveis e ainda período de vida útil ou tempo máximo para renovação; (ii) enumeração dos gastos que advenham para o trabalhador pela prestação de trabalho à distância, assim como forma de quantificação da compensação, momento e forma de a entregar. Aqui, convém recordar que o artigo 166.º n.º 5 al. e) do CT já prevê, para o teletrabalho, a possibilidade de pagamento das despesas inerentes aos gastos (consumo e utilização) dos instrumento de trabalho. O acordo acima referido deve ainda contero horário de trabalho e respetivas regras de disponibilidade e a percentagem e distribuição da prestação de trabalho entre presencial e à distância (exemplo no artigo 7.º als. a) a d) do Decreto Real n.º 28/2020).
O capítulo III do diploma (artigo 9.º a 19.º) enumera os direitos dos trabalhadores à distância. O elenco relativamente desenvolvido de direitos leva-nos a apelar à divisão feita no diploma por secções (i) direito à carreira profissional (artigo 9.º e 10.º); (ii) direito à atribuição de instrumentos de trabalho e respetiva manutenção, com compensação pelos gastos inerentes a estes (artigo 11.º e 12.º); (iii) direitos com repercussão no tempo de trabalho (artigo 13.º e 14.º); (iv) direitos diretamente ligados à prevenção de riscos laborais, segurança e saúde no trabalho (artigo 15.º e 16.º); (v) direitos relativos ao uso dos meios digitais (artigo 17.º e 18.º – desconexão digital); e (vi) direitos coletivos, assegurando a efetividade dos mesmos para trabalhadores à distância (artigo 19.º).
O capítulo IV do diploma (artigo 20.º a 22.º) trata a faculdade de organização, direção e controlo empresarial do trabalho prestado à distância, desenvolvendo a questão do controlo do trabalho à distância e dos limites ao mesmo. O diploma contém ainda disposições adicionais sendo de destacar a primeira delas que prevê a possibilidade de a negociação coletiva regular o trabalho à distância, com a identificação dos postos de trabalho e funções, tendo em conta as especificidades do setor de atividade, suscetíveis de serem realizadas com recurso ao trabalho à distância, as condições de acesso e desenvolvimento da atividade, bem como a duração máxima do trabalho à distância, não se esgotando nestes exemplos a possibilidade de regulação pela negociação coletiva.
Poderá ser este Decreto Real uma via de caminho para a regulamentação em Portugal? Na longa exposição de motivos deste diploma é referida a necessidade de regulamentação deixada a descoberto pela pandemia. Veremos semelhante acontecer em Portugal? Poderá a negociação coletiva dar muitas das respostas necessárias, sectorizando as questões? Esperamos os próximos episódios.
Ana Amaro | DCM LAWYERS