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Será possível dispor de trabalhadores ou de equipas de trabalho “à chamada” ou “a pedido”?
Em dezembro de 2013, o Reino Unido lançou uma consulta pública sobre os “zero-hours contracts”, isto é, sobre contratos de trabalho que não estabelecem períodos normais de trabalho mínimos, sendo a remuneração definida em função do trabalho realizado e devendo o trabalhador estar disponível para prestar a sua atividade quando seja chamado pelo empregador.
Esta consulta cuida de quatro aspetos fundamentais: (i) exclusividade do trabalhador; (ii) transparência na qualificação do “zero-hours contract”; (iii) indeterminação do valor da remuneração; (iv) equilíbrio de poderes entre empregador e trabalhador.
No Reino Unido, estima-se que, entre Janeiro e Fevereiro de 2014, existissem 1,4 milhões de “zero-hours contracts” e que cerca de 13% dos empregadores tivessem recrutado alguns trabalhadores através desta modalidade de contrato. Considerando os setores de atividade, verifica-se uma maior predominância nos serviços de alojamento e alimentação, na saúde e trabalho social, nos serviços administrativos e de apoio e na educação.
Esta modalidade de contrato de trabalho tem vantagens e desvantagens. Por um lado, permite ao empregador dispor de trabalhadores em função das necessidades da sua organização empresarial (por exemplo, a organização de um casamento num estabelecimento hoteleiro, o apoio domiciliário a um paciente em virtude do agravamento do seu estado de saúde, o curto-circuito num sistema informático que requer a presença de um técnico especializado para recuperar os dados, entre outros). Por outro lado, trata-se de um contrato que não garante uma estabilidade remuneratória ao trabalhador; permite-lhe, porém, uma maior gestão do seu tempo de não trabalho, visto que não é obrigado a aceitar todas as solicitações do empregador.
O trabalhador tem direito a remuneração durante os períodos de trabalho, mas também durante os períodos de prontidão ou enquanto se encontra próximo do local de trabalho e aguarda para prestar a sua atividade. Contudo, não terá direito a receber remuneração enquanto aguarda pela “chamada” na sua residência.
Entre nós, o Código do Trabalho consagra o “trabalho intermitente” em termos fortemente restritivos, a saber: (i) só é admissível em empresa que exerça atividade com descontinuidade ou intensidade variável; (ii) não pode ser celebrado a termo resolutivo ou em regime de trabalho temporário; e (iii) o trabalhador deve prestar a sua atividade durante, pelo menos, 6 meses a tempo completo por ano, dos quais, pelo menos, 4 meses devem ser consecutivos.
O contrato de trabalho intermitente está sujeito a forma escrita – sob pena de ser considerado sem período de inatividade – e deve regular a duração da prestação de trabalho, de modo consecutivo ou interpolado, bem como o início e termo de cada período de trabalho, ou a antecedência (não inferior a 20 dias) com que o empregador deve informar o trabalhador do início daquele.
Durante o período de inatividade, o trabalhador tem direito a uma compensação retributiva mensal que pode ser fixada em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho e que, na sua falta, não pode ser inferior a 20% da retribuição base mensal. Os subsídios de férias e de Natal são fixados com base na média das remunerações e compensações retributivas.
Em nossa opinião, o modelo português tem uma aplicabilidade reduzida porque deve obedecer a requisitos muito exigentes.
Coloca-se a questão de saber se estas cautelas legislativas não “empurram” as empresas e os trabalhadores para contratos de trabalho a termo ou para os “recibos verdes”. A ser assim, o trabalhador encontrar-se-á numa situação de maior fragilidade do que aquela que teria se o contrato de trabalho intermitente tivesse um regime mais flexível quanto ao tipo de atividade e à duração mínima anual.

Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 6.5.2014.

Sobre esta questão, vide:
Zero-hours contracts – Commons Library Standard Note