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Trabalho Suplementar – Novidades em 2023, Perspetivas para 2024

By 13 Novembro, 2023No Comments

Tal como em relação a tantas outras matérias, a Lei n.º 13/2023 não concedeu “imunidade legislativa” à temática do trabalho suplementar. E com propósito, julga-se, dada a relevância prática desta matéria para trabalhadores e empregadores e o espírito que a enformou.

O trabalho suplementar (vulgo, trabalho extraordinário), de facto, continua a emergir nos tribunais portugueses com frequência, principalmente no contexto de cessações conflituosas, e posteriormente, litigiosas de Contratos de Trabalho (vide, a título exemplificativo, os Acórdãos proferidos no pretérito mês de setembro, do Tribunal da Relação de Lisboa e do Tribunal da Relação do Porto, onde, respetivamente, se declarou que o trabalhado suplementar prestado em dia de descanso obrigatório não é prejudicado pela vigência de regime de isenção de horário, e onde se reafirmou a obrigação por parte do empregador de manter um registo atualizado do trabalho suplementar prestado – Acórdãos disponíveis para consulta aqui e aqui).

Mas em 2023, o que mudou? E o que se pode já conjeturar para 2024?

Em termos práticos, e na generalidade dos casos do setor privado, a Lei n.º 13/2023, trouxe consigo uma distinção entre o trabalho suplementar prestado, consoante o tenha sido até 100 horas anuais ou tenha ultrapassado esse volume de horas, aumentando o montante a pagar, neste último caso, do seguinte modo: i) 50% do valor da retribuição base/hora pela primeira hora ou fração desta e 75% desse valor, por cada hora ou fração que se siga, ao invés dos 25% e 37,5% aplicáveis anteriormente, independentemente do número de horas de trabalho suplementar anual; ii) 100% do valor da retribuição base/hora por cada hora ou fração de hora de trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar ou em dia de feriado, ao invés do valor, anteriormente aplicável, de 50%.

Manteve-se a fórmula anteriormente adotada no n.º 4 do artigo 268.º do CT quanto à determinação dos requisitos de exigibilidade do pagamento de trabalho suplementar, e como tal, a atualidade do entendimento doutrinário e jurisprudencial até agora desenvolvido sobre o tema.

Já a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas não acompanhou tal aumento, sendo certo que, e conforme pudemos analisar a propósito das medidas com incidência laboral, previstas na Proposta de OE para 2024, pese embora se preveja a ocorrência de alterações à LGTFP, não será de esperar, pelo menos para breve, que as mesmas possam vir a incidir sobre esta matéria, exceto no âmbito do setor da saúde, quanto aos profissionais do INEM.

Prevê-se ainda, o estabelecimento de limites ao pagamento de trabalho suplementar de profissionais de saúde de Entidades Públicas Empresariais, incluindo médicos internos, que deverão ser pagos, pela realização de trabalho noturno, trabalho em dias de descanso semanal obrigatório e complementar e trabalho em dias feriados, dentro dos limites aplicáveis aos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas inseridos em carreiras gerais ou especiais.

Ainda no setor da saúde, assistiu-se à prorrogação, por duas vezes, da solução introduzida pelo DL n.º 50-A/2022, de 25 de julho em matéria de trabalho suplementar prestado por trabalhadores médicos para assegurar o funcionamento dos serviços de urgência, prorrogação que operou, num primeiro momento, por força do DL n.º 15/2023, de 24 de fevereiro, num segundo momento, pelo DL n.º 65/2023, de 7 de agosto, cuja vigência cessou a 31.09.2023 e agora, no pretérito dia 7.11.2023 a uma terceira prorrogação até ao dia 10 de janeiro de 2024 por força do DL n.º 103/2023, de 7 de janeiro, publicado em Diário da República.

Este novo DL aprova o regime jurídico de dedicação plena no Serviço Nacional de Saúde e da organização e do funcionamento das unidades de saúde familiar e traz importantes medidas relativamente ao trabalho suplementar dos trabalhadores médicos que realizem serviço de urgência nos Centros de Responsabilidade integrados (CRI) das unidades hospitalares em regime de dedicação plena: i) prestação de um período semanal único de 6 horas de trabalho suplementar no serviço de urgência, externa e interna, e em unidades de cuidados intensivos e unidades de cuidados intermédios, sempre que necessário; ii) sendo que tal prestação não se encontra sujeita aos limites máximos, quando seja necessária ao funcionamento do serviço de urgência, não podendo, contudo, implicar uma duração semanal média do período normal de trabalho superior a 48 horas semanais num período de referência de 6 meses, nem a ultrapassagem de 250 horas de trabalho suplementar anual.

Qual a importância da gestão empresarial do trabalho suplementar?

Do mesmo modo que o trabalho suplementar continua a ocupar os nossos tribunais, também além-fronteiras, e mais recentemente, foi dada a conhecer uma importante decisão proferida pelo TJUE no seguimento do envio prejudicial levado a efeito pelo Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal do Trabalho Federal, Alemanha), por Decisão de 11 de novembro de 2020.

Em causa esteve a discussão relativamente à fixação do tempo de trabalho (in casu, horas de voo) a partir do qual se inicia a contabilização de trabalho suplementar, o qual foi fixado no mesmo número de horas, para trabalhador a tempo parcial ou a tempo integral, quedando perceber se tal igualdade é, na realidade, promotora de desigualdade e discriminação em função do regime de horário de trabalho.

O TJUE, invocando demais argumentos e decisões anteriores, interpretou a factualidade apresentada, à luz da cláusula 4, n.ºs 1 e 2, do Acordo‑Quadro relativo ao trabalho a tempo parcial, celebrado em 6 de junho de 1997, que figura em anexo à Diretiva 97/81/CE do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, respeitante ao Acordo‑Quadro relativo ao trabalho a tempo parcial celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES (JO 1998, L 14, p. 9), considerando que “deve ser interpretada no sentido de que uma regulamentação nacional que sujeita o pagamento de uma remuneração complementar, de modo uniforme para os trabalhadores a tempo parcial e para os trabalhadores a tempo inteiro comparáveis, ao facto de ser ultrapassado o mesmo número de horas de trabalho de uma determinada atividade, como o serviço de voo de um piloto, deve ser considerada um tratamento «menos favorável» dos trabalhadores a tempo parcial, na aceção desta disposição.” (destacado nosso).

O nosso CT, prevê, em termos consonantes com o princípio da igualdade, que o trabalhador a tempo parcial não pode ser objeto de tratamento menos favorável ao de trabalhador a tempo integral em situação comparável, a menos que razões objetivas o justifiquem (artigo 154.º, n.º 2 do CT). No artigo 228.º, n.º 1, al. c) do CT, procede-se à fixação de limites de duração do trabalho suplementar em termos proporcionais para o trabalhador a tempo parcial.

Mas e quanto ao direito à retribuição pelo trabalho suplementar? Na esteira da regra geral, o mesmo artigo 154.º, n.º 3, al. a), determina que o trabalhador a tempo parcial tem direito à retribuição base e outras prestações na proporção do respetivo período normal de trabalho semanal.

Não parece que esta seja uma questão que ofereça dúvidas de relevo à luz da nossa legislação laboral, mas devemos notar que continua a poder extrair-se da litigiosidade em volta do tema do trabalho suplementar, a importância crucial que assume a gestão empresarial nesta matéria. Em especial, pense-se na forma de controlo de presenças e assiduidade implementadas no seio da empresa. Não deverá ser menosprezada a importância de garantir e implementar um sistema eficiente e rigoroso de controle de tempos de trabalho, quer para a proteção dos trabalhadores e tendo em vista prevenir situações de burnout, quer do ponto de vista das entidades empregadoras, que poderão com maior segurança, não apenas controlar os seus encargos com trabalho suplementar, mas ainda manter um registo rigoroso capaz de salvaguardar futuros litígios, uma vez que o trabalhador que reclame o pagamento de trabalho suplementar terá o ónus de provar que o mesmo não era exigível por não lhe ter sido prévia e expressamente determinado, ou ainda que o realizou em situação na qual não era previsível a oposição da entidade empregadora.

Neste, como noutros temas, consideramos que deve ser adotada uma estratégia preventiva, considerando o quão prolífero pode ser o Direito do Trabalho na emersão de situações de litígio e, em especial em temas relacionados com a reclamação de créditos laborais.

Como sempre, manter-nos-emos atentos a quaisquer desenvolvimentos.

Rui Rego Soares @ DCM | Littler