As questões relacionadas com a transmissão de estabelecimento são diversas e, uma vez que produzem efeitos diretos nos contratos de trabalho, é uma temática que assume uma importância considerável (vide artigos nossos sobre este tema: Transmissão de unidade económica e fragmentação contratual?; A transmissão da unidade económica e o contrato de trabalho). O que sucede ao contrato de trabalho do trabalhador cuja empresa foi transmitida?
A resposta a esta questão dependerá da pretensão do trabalhador: (i) poderá optar pela manutenção do seu contrato com o transmissionário (passando este, a ser o seu empregador); ou (ii) poderá exercer o seu direito à oposição à transmissão (art. 286-Aº, n. º1 CT). Quanto a esta segunda hipótese, caso as partes não cheguem a acordo, o trabalhador poderá, no limite, resolver o contrato com justa causa objetiva (art. 394º, n. º3, al.d) CT).
O conceito de justa causa implica, necessariamente, uma lesão grave dos interesses de de uma das partes, tornando inexigível a manutenção do vínculo laboral. Desta forma, para que o trabalhador possa resolver o contrato em consequência da transmissão do estabelecimento, terá de provar a existência de prejuízo sério, nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente ou, ainda, se a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança. (art. 286-Aº, n.º1 CT ex vi art. 394º, n.º3, al.d) CT). Esta norma, poderá suscitar, desde logo, duas questões: (i) o que poderá ser considerado prejuízo sério e, (ii) qual o conceito de confiança.
Já tivemos oportunidade de nos debruçar sobre a definição de prejuízo sério no âmbito da matéria de alteração do local de trabalho (cfr. As transferências de local de trabalho). Contudo, não se deverá adotar tal definição, tout court, para o regime em análise.
Tal como explanado no artigo Transferência do local de trabalho v. resolução do contrato, “A análise do prejuízo sério tem sido feita, na jurisprudência nacional, tendo por base diversos critérios objetivos, entre os quais a distância do novo local de trabalho e as implicações do iter na vida pessoal do trabalhador, nomeadamente no exercício das responsabilidades parentais.” Estes critérios serão de menor aplicabilidade em sede de transmissão de estabelecimento, uma vez que, à partida, os contratos de trabalho, nomeadamente o local de prestação da atividade, manter-se-ão inalteráveis.
A este propósito, vejamos o Ac. TRG. 07.05.2020 (Antero Veiga), proc. n.º5670/18.0T8BRG-A.G1: neste caso, um trabalhador pretendia resolver o seu contrato de trabalho, invocando justa causa objetiva pelo facto do seu empregador (transmitente) não ter comunicado os contornos e os motivos em que ocorreu a transmissão. Alegando ter sido colocado numa posição frágil e de total desconhecimento e insegurança quanto à sua relação laboral, o trabalhador veio requerer a resolução do seu contrato de trabalho, bem como os respetivos créditos laborais.
O TRG confirmou a decisão recorrida, afirmando tratar-se de uma resolução ilícita, não preenchendo os requisitos de prejuízo sério ou de falta de confiança. A este propósito, o doutro tribunal concluiu que, para se invocar tais situações, deverá ser demonstrado: “Quanto ao prejuízo sério, factos concretos de que resulta uma real possibilidade de prejuízo, uma possibilidade séria de prejuízo, não bastando para justificar a resolução do contrato uma mera possibilidade de prejuízo ou receio deste (…) devendo ser alegados e demonstrados os factos de que tal se possa concluir. Quanto à falta de confiança na política de organização de trabalho, deve invocar e demonstrar factos de que possa resultar num critério objetivo e razoável, tendo em conta a perspetiva de um trabalhador médio, possuidor dos conhecimentos e na concreta situação do trabalhador em causa, a não confiabilidade da política de organização de trabalho da adquirente.”
Pelo exposto, poder-se-á dizer que a transmissão de estabelecimento: (i) não confere automaticamente ao trabalhador o direito de rescindir o contrato, (ii) para que o trabalhador possa usufruir de tal direito, terá de provar a existência de prejuízo sério ou falta de confiança no transmissionário e deverá fazer indicação e prova de tal na carta de oposição à transmissão; (iii) a averiguação de prejuízo sério deverá ser um conceito analisado à luz do regime da transmissão.
Assim, salvo melhor opinião, a resolução com justa causa não poderá ser vista como algo que se encontra na disponibilidade total do trabalhador, sendo apenas aplicada nas situações em que, efetivamente, se poderá verificar uma insustentabilidade do vínculo laboral e o trabalhador consegue fazer prova de tal.
Decerto que esta temática se manterá na nossa jurisprudência e à qual estaremos naturalmente atentos.
Joana Guimarães | Catarina Venceslau de Oliveira | DCM LAWYERS