A fragmentação de uma empresa, através da transmissão das suas múltiplas unidades económicas, produz idêntico resultado no contrato de trabalho? O que sucede ao contrato de trabalho de um trabalhador que presta a sua atividade em diferentes unidades económicas transmitidas para cessionários distintos? A posição de empregador é transmitida em bloco para o cessionário que assuma a unidade económica à qual o trabalhador está principalmente afetado? Não há transmissão da posição jurídica de empregador (cfr. pedido de decisão prejudicial de 25.5.2018, caso ISS Facility Services NV / Sonia Govaerts, proc. n.º C-344/18)?
O TJ respondeu recentemente a este pedido de decisão prejudicial (cfr. Ac. TJ 26.3.2020, caso ISS Facility Services NV / Sonia Govaerts, proc. n.º C-344/18). A empregadora era responsável pela limpeza e manutenção de vários edifícios da cidade de Gante (Bélgica), distribuídos por três lotes. O lote 1 compreendia os museus e os edifícios históricos, o lote 2 compreendia as bibliotecas e os centros comunitários, e o lote 3 compreendia os edifícios administrativos. Em 1.4.2013, a trabalhadora tornou‑se gestora de projetos dos três estaleiros correspondentes a esses lotes. O município beneficiário da atividade abriu concurso para a prestação dos serviços de limpeza nesses três lotes. Em 13.6.2013, a proposta da empregadora não foi selecionada. Os lotes 1 e 3 foram entregues à empresa A e o lote 2 foi adjudicado à empresa B.
O TJ, seguindo a opinião do Advogado-Geral (cfr. conclusões apresentadas em 26.11.2019), considerou que, no caso de transmissão simultânea de várias unidades económicas para diferentes cessionários, a posição de empregador transmite-se, na proporção das funções desempenhas pela trabalhadora, para cada um dos novos cessionários. Se, porventura, a cisão do contrato de trabalho for impossível ou afete a manutenção dos direitos dos trabalhadores ou recusar a cisão do contrato, o trabalhador pode resolver o contrato de trabalho. Esta resolução será imputável aos cessionários.
Trata-se de uma decisão bastante recente e que veio adensar a panóplia de problemas inerentes à transmissão de unidades económicas. Ficam em aberto, por exemplo, as questões de saber (i) em que medida esta solução se pode articular com o “nosso” direito de oposição ou (ii) se os efeitos desta jurisprudência conduzem a um justo equilíbrio de interesses (v.g. compatibilização de horários de trabalho, imposição de dois ou mais contratos de trabalho a tempo parcial e reflexos na proteção social.)
(Cfr. Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes e arts. 285.º e ss. do CT)
David Carvalho Martins | Tiago Sequeira Mousinho