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Um comissário de polícia tem que ser um jovem musculado?

O Tribunal de Justiça europeu é frequentemente abordado por pedidos de decisão prejudicial referentes à existência, ou não, de discriminação à luz do direito da União. O mainstreaming europeu da igualdade e não discriminação levou não só a uma importante produção normativa, mas sobretudo à proliferação de pronunciamentos daquele Tribunal, num cada vez maior refinamento dos critérios de apreciação dos casos concretos.

A mais recente dessas decisões (no processo C-304/21, Ministero dell’Interno) diz respeito a um concurso, aberto pelo Ministério do Interior italiano, para preencher 120 lugares de comissário da Polícia Nacional. Entre as condições gerais de admissão a esse concurso, o convite à apresentação de candidaturas indicava, em aplicação do Decreto ministerial n.° 103/2018, que os candidatos deviam ter pelo menos 18 anos e ainda não ter atingido a idade de 30 anos, sem prejuízo de determinados casos específicos.

Um indivíduo interessado viu-se impedido de apresentar a candidatura, pelo facto de não cumprir o requisito de idade referido no número anterior. Com efeito, já tinha atingido 30 anos de idade e não se enquadrava em nenhum dos casos específicos em que esse limite de idade era aumentado.

O Tribunal Administrativo Regional (do Lácio), para o qual recorreu, adotou uma medida provisória pela qual o indivíduo em causa foi admitido, sob reserva, ao referido concurso, em cujas provas de pré‑seleção foi posteriormente aprovado. Todavia, o mesmo órgão jurisdicional veio a negar provimento ao recurso, com o fundamento de que o limite de idade constituía uma «limitação razoável» e, nessa medida, não era contrário à Constituição da República Italiana nem às disposições do direito da União que proíbem a discriminação, nomeadamente em razão da idade, em particular a Diretiva 2000/78.

De novo, o indivíduo interpôs recurso dessa sentença para o órgão jurisdicional de reenvio, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), invocando a incompatibilidade das normas que fixam o limite de idade em causa tanto com o direito da União como com a Constituição da República Italiana e outras disposições do direito italiano.

O Consiglio di Stato considerou que, no caso em apreço, se tratava de uma discriminação em razão da idade, na aceção do artigo 2.° da Diretiva 2000/78, que não é justificada à luz dos artigos 4.° e 6.° da mesma. Esse órgão jurisdicional ponderou, nomeadamente, que as funções de comissário da polícia são essencialmente funções de direção e de natureza administrativa, não sendo essenciais as que exigem aptidões físicas especialmente significativas, comparáveis às exigidas a um simples agente de um corpo da Polícia Nacional.

Não obstante, o Consiglio di Stato decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial no sentido de se saber se o direito (primário e derivado) da União se opõe a que seja aplicado um limite de idade de 30 anos para a participação numa seleção para lugares de comissário da carreira dos funcionários da Polícia Nacional.

A decisão do Tribunal de Justiça tem, como de resto é frequente, dois gumes.

Em primeiro lugar, o princípio: o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a fixação de um limite máximo de idade de 30 anos para a participação num concurso destinado a recrutar comissários da polícia, na medida em

que as funções efetivamente exercidas por esses comissários da polícia não exijam capacidades físicas específicas.

Depois, abre-se um espaço de ajustamento: se tais capacidades físicas forem exigidas, cabe ao tribunal nacional verificar se tal legislação (que impõe o limite de 30 anos), prosseguindo um objetivo legítimo, impõe um requisito desproporcionado.

A conhecida inclinação do Consiglio di Stato no sentido do carácter discriminatório do limite de idade em questão não deixa grandes dúvidas quanto ao desfecho final do processo.

António Monteiro Fernandes @ Of Counsel, DCM | Littler

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