Quem diria que num Blog de direito laboral estaríamos a falar de vídeos publicados em redes sociais… O que é facto é que as trends não escolhem áreas e, enquanto assim for, escreveremos sobre elas.
Nos últimos tempos, têm sido partilhados inúmeros vídeos de trabalhadores a serem despedidos em direto e a postar esses mesmos vídeos no seu perfil. Ainda que não divulguem a cara das pessoas que se encontram a comunicar o despedimento coletivo (denominado lay-off em inglês, que, cabe dar nota, não corresponde à denominação portuguesa), muitos dos trabalhadores têm público o local onde trabalham, e acabam por divulgar nomes e vozes não deixando grande margem de dúvidas para quem assiste a estes vídeos.
Quanto aos ordenamentos jurídicos em causa, pela sua complexidade e especificidades e por receio de cairmos em erro, não nos pronunciaremos a não ser no sentido de que, ainda que algumas situações pareçam estranhas aos nossos olhos e reflitam a situação atual de muitas empresas do setor tecnológico, se estivermos perante casos de gravações de procedimentos legais lícitos não autorizadas, isto poderá que trazer graves consequências para a empresa visada.
Contudo, é possível tecer algumas considerações caso transpuséssemos esta situação para o ordenamento jurídico português.
Ora desde logo, este tipo de atuação por parte da empregadora, que levaria a uma certa “surpresa” por parte do trabalhador, poderia ocorrer num de dois casos: ou por denúncia do contrato durante o período experimental (art. 114.º do CT) ou, no limite, por acordo de revogação (art. 349.º do CT).[1] Isto porque, e como bem sabemos, todos as outras modalidades de cessação do contrato de trabalho tem procedimentos específicos e uma linha temporal definida pelo legislador.
Ainda assim, e pegando apenas na última figura por nós apresentada, pela desnecessidade de aviso prévio, imaginemos que a reunião é marcada com o trabalhador para anunciar a necessidade de cessar o contrato e decidem, por mútuo acordo, revogar o contrato de trabalho. Das duas uma:
- O vídeo é publicado após a cessação do contrato;
- O vídeo é divulgado antes de o contrato cessar.
No primeiro caso, uma vez que o contrato já cessou, a única via possível de atuação caso se verificassem danos por parte da ex-empregadora seria através de responsabilidade civil, desde que verificados os pressupostos do artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil, neste caso o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
No caso em apreço, e por ordem, corresponderiam: (i) à gravação do vídeo; (ii) à gravação do vídeo e publicação sem o consentimento pelo disposto no artigo 199.º do Código Penal; (iii) à culpa presumida baseada na censurabilidade no facto de não ter sido adotado o comportamento devido; (iv) o dano reputacional, p.e.; (v) e, finalmente, o nexo entre a publicação do vídeo e o dano sofrido.
Contudo, a situação já se afigurava diferente se estivéssemos perante o segundo caso.
Estando a relação laboral ainda “de pé”, e sem prejuízo da solução suprarreferida, parece-nos que poderíamos estar perante um caso de despedimento por justa causa, cfr. art. 351.º, n.º 1 do CT caso a empregadora assim o pretendesse. Isto pela consubstanciação de um comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Assim, parece-nos que esta atuação recairia facilmente na alínea e) do número 2 deste mesmo artigo, i.e., um comportamento que lesou interesses patrimoniais sérios da empresa. Estes interesses patrimoniais sérios já foram entendidos pela jurisprudência não apenas como uma «lesão patrimonial em “quantia avultada”, bastando que o comportamento do trabalhador revele uma quebra de fidúcia necessária à relação de trabalho, importando para que a lesão patrimonial seja entendida como séria, não tanto o seu aspeto quantitativo mas sim, o qualitativo.»[2] Ademais, está aqui também em causa do dever de lealdade que subjaz à relação laboral que se encontra associado não só à confiança depositada e criada pela empregadora na não divulgação deste tipo de conteúdo e, por outro lado, ao princípio da boa-fé que recai na atuação do próprio trabalhador.
Tendo estas considerações em mente, e salvo melhor entendimento, continuaremos atentos ao desfecho possível da publicação e divulgação destes vídeos pelas redes sociais.
Maria Beatriz Silva @ DCM | Littler
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[1] Dar nota apenas que aqui não foi colocada a opção de caducidade do contrato de trabalho uma vez que já não corresponderia a uma situação totalmente desconhecida pelo trabalhador, pelo menos caso estivéssemos perante uma caducidade do contrato de trabalho a termo e não no caso de morte do empregador, p.e. Os casos que se colocaram aqui foram os que, a nosso ver, e tentando transpor a situação de forma mais fiel possível, seriam os que necessitam de escolha por parte da empregadora dos trabalhadores afetados e que, consequentemente, poderiam despoletar esta reação.
[2] Ac. STJ de 07.12.1987 (Licíno Caseiro), proc. n.º 000828