A proposta de lei relativa à “agenda do trabalho digno” aprovada pelo Governo, e que se encontra no Parlamento (não se sabendo bem se chegará a haver uma autêntica apreciação parlamentar de tão extenso e complicado documento), contém algumas inovações cujo primeiro motivo de interesse reside nos enigmas interpretativos que suscitam.
Uma delas localiza-se nos arts. 338º-A e 498º-A, que se pretende acrescentar ao Código do Trabalho. Trata-se aí de um fenómeno coberto pela designação abrasileirada de “terceirização de serviços” e que, basicamente, consiste na “aquisição de serviços externos a entidade terceira”.
Esse expediente é proibido quando se trata da satisfação de necessidades que foram asseguradas por um trabalhador afastado por despedimento coletivo ou por despedimento fundado em extinção do posto de trabalho.
Por outras palavras – se bem entendemos – , as empresas ficam impedidas de substituir postos de trabalho por prestações de serviço. Uma empresa que tenha um contabilista como empregado, e que tenha eliminado esse posto de trabalho na sua estrutura, não pode recorrer, em substituição, a um gabinete de contabilidade.
Será assim?
No segundo artigo acima citado, trata-se da possível aplicação da convenção coletiva que vigora na empresa adquirente dos serviços ao “prestador de serviço”. Mas quem é este personagem?
A priori, dir-se-ia que é uma empresa, que destaca para o “serviço” um ou mais dos seus empregados. Em certos casos, poderia ser um prestador de serviço individual, encontrando-se, ou não, em situação de dependência económica relativamente ao beneficiário da atividade.
Mas a proposta não distingue. O “prestador de serviço” que fica abrangido pelo instrumento de regulamentação coletiva aplicável no beneficiário da atividade é, necessariamente, uma “pessoa singular”, um indivíduo. Não interessa que seja ele próprio a “entidade terceira” diretamente fornecedora do serviço, ou que seja contratado (porventura com contrato de trabalho?!) pela empresa com a qual o beneficiário da atividade estabeleceu relação direta. Por outras palavras: poderá tratar-se de “prestador de serviço” que é, na realidade, trabalhador subordinado.
A aplicação do referido instrumento de regulamentação coletiva ao “prestador de serviço” depende de ela lhe ser “mais favorável”. Não é inteiramente claro em relação a quê.
É de recear que os esclarecimentos reclamados por estes textos, entre muitos outros, não possam provir do parco debate parlamentar que se adivinha.
António Monteiro Fernandes @ Of Counsel, DCM | Littler