No passado dia 7 de julho, o Supremo Tribunal de Justiça presenteou-nos com um acórdão relativo à conduta de um trabalhador que, entre maio e julho de 2020, incumpriu os seus deveres ao: recusar-se a apresentar-se em consultas de medicina do trabalho; recusar-se a usar viseira no âmbito do seu trabalho em loja; e faltar injustificadamente quando o empregador recusou a sua prestação laboral na loja sem máscara ou viseira.
Entre outras questões analisadas no presente acórdão, e não obstante estarem cumpridos os fundamentos para que houvesse justa causa para o despedimento, presentes no artigo 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho, sendo estes: i) comportamento ilícito e culposo do trabalhador; ii) a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho; iii) a existência de um nexo de causalidade, será interessante sublinhar um dos argumentos apresentados pelo trabalhador no respeitante à escolha do médico do trabalho.
Uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que não havia lugar à escolha pelo trabalhador do médico do trabalho, o recorrente considerou existir uma violação clara do Regulamento n.º 707/2016, nomeadamente do art. 15.º, n.º 1. Nesta lógica de pensamento conclui que, tendo a empregadora continuado a marcar-lhe consultas em médicos da empresa ou indicados pela mesma, inexistia qualquer tipo de violação do dever de obediência, obediência esta que colidiria com direitos e garantias deste, nos termos do art. 128.º, n.º 1 al. e), sob pena de violar a sua dignidade, nos termos do art. 127.º, n.º 1, al. a), do CT.
Mas quais são os factos subjacentes? Em causa estava a obrigação do uso de máscara por parte de um trabalhador, como tal ditavam as normas impostas pela Direção-Geral da Saúde para minimizar a propagação da doença COVID-19. Não pretendendo o trabalhador usar a viseira no seu local de trabalho por alegados motivos médicos, a empregadora decidiu pela marcação de consultas com o médico do trabalho da mesma.
Ora, após uma referência para um médico de especialidade feita pelo médico do trabalho, o mesmo concluiu que a patologia que o trabalhador sofria, ainda que o impedisse de usar máscara, em nada obstava ao uso de viseira (contrariamente ao que a primeira declaração médica apresentada pelo trabalhador referia, diga-se).
Para que não houvesse dúvidas, a empregadora decidiu pela marcação de consultas complementares ao qual o trabalhador, de forma reiterada, faltou.
Tendo tudo isto em conta, o acórdão deu nota que, para além da empregadora ter o dever de marcar as mencionadas consultas para avaliar a condição de saúde do trabalhador em observância do Plano de Contingência traçado, isto encontrar-se-ia também estabelecido no Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho que estabelece deveres e obrigações para ambos os extremos da relação jurídica laboral. Não só o dever do empregador de assegurar aos seus trabalhadores condições de segurança e de saúde promovendo a realização de exames de saúde adequados a comprovar e avaliar a aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da atividade, bem como a obrigação do trabalhador se submeter às consultas de especialidade e de medicina do trabalho, tal como disposto no artigo 17.º deste mesmo regime.
Ademais, dir-se-á que o direito à escolha do médico por parte do utente não se aplica no caso em apreço. Tal como explanado pelo Tribunal, o direito atribuído ao trabalhador pelo artigo 15.º, n.º 1, do Regulamento n.º 707/2016, da Ordem dos Médicos, ocorre apenas quando estivesse em causa a prestação de cuidados médicos por oposição ao que acontece quando estamos perante a consulta por parte de um médico do trabalho.
Em modo conclusivo, embora pareçam intermináveis e longínquos os acórdãos referentes a tempos pandémicos, o facto é que estas questões ainda contaminam o mundo laboral.
Maria Beatriz Silva @ DCM | Littler