A interação diária com a internet passou a fazer parte das rotinas e do quotidiano das pessoas, quer a nível pessoal quer a nível profissional. A nova economia digital tem implicado uma substituição do trabalho humano por tecnologia, hiperconectividade e teletrabalho, o que ocasiona mudanças nos modelos de organização do trabalho, que incluem múltiplas manifestações de flexibilidade laboral e de crescente informatização e digitalização do processo produtivo.
O facto de o trabalhador se encontrar permanentemente em contacto com a Internet quer para aí prestar atividade ou simplesmente para a utilizar como ferramenta de auxílio ao desenvolvimento do trabalho, pode ocasionar situações em que o mesmo faz um uso indevido desta ferramenta de trabalho, comprometendo, em muitos casos, o processo produtivo e os resultados do negócio.
A utilização da internet em contexto de trabalho pode ela ser feita de forma benéfica e até vantajosa para o processo produtivo, mas também pode dar-se o caso de o trabalhador aceder e responder a e-mails pessoais, chats de conversação, redes sociais e sites de conteúdo diverso, enquanto realiza – ou deveria realizar – a sua atividade profissional. A utilização de internet durante a jornada de trabalho pode implicar uma diminuição da produtividade do trabalhador e a realização da prestação de trabalho sem zelo e diligência, o que poderá gerar um apuramento da responsabilidade do trabalhador, com a aplicação de sanções disciplinares.
É nestes casos que o bom senso deve prevalecer por forma a encontrar-se um justo equilíbrio entre os interesses das partes, uma vez que, existem dois direitos em confronto: por um lado, o poder disciplinar, de direção e regulamentar do empregador, e do outro, a privacidade do trabalhador.
O que fazer quando o uso da internet de forma irresponsável e sem critérios no trabalho representa uma diminuição da produtividade do trabalhador? Pode a empresa proibir em absoluto o uso de internet para fins pessoais no local de trabalho? Pode existir despedimento por justa causa? A resposta a estas questões não é unânime e de fácil indagação, devendo ser feita uma análise em cada caso concreto.
O despedimento costuma ser o último reduto da entidade empregadora quando aplica procedimentos disciplinares, lançando mão desta sanção quando se verifica uma quebra da confiança entre as partes e uma impossibilidade de manutenção da relação de trabalho. A recente decisão do Tribunal Supremo de Madrid, de 07.05.2024, versou sobre este mesmo tema, no qual se entendeu que o despedimento de um trabalhador por visitar websites que nada tinham de ver com a sua atividade profissional (p.e websites de viagens, compras, lazer, vídeos e música) não revestia gravidade suficiente para um despedimento por razões disciplinares. Considerou aquele Tribunal que ainda que o trabalhador tivesse sido advertido em diversas ocasiões pelo seu superior hierárquico de que não deveria utilizar o computador da empresa para fins pessoais, esse seu comportamento não representa um incumprimento muito grave que justifique um despedimento, não se vislumbrando deslealdade ou abuso de confiança, antes devendo aplicar-se uma sanção disciplinar menos gravosa.
Sobre a duração destes comportamentos, entendeu o Tribunal Supremo de Madrid que não se podem considerar abusivos, já que em nenhum momento a visita destes websites superou uma hora, e igualmente não se verificou um prejuízo para a empresa nem para os demais trabalhadores, considerando que este seu comportamento é equivalente a qualquer tipo de distração ou ausência do posto de trabalho durante a jornada de trabalho.
Volvendo agora o olhar para o nosso sistema, como decidiria um tribunal português?
O Código do trabalho prevê como deveres do trabalhador, realizar o trabalho com zelo e diligência (art. 128.º, n.º 1, al. c) do Código do Trabalho) e promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa (art. 128.º, n.º 1, al. h) do Código do Trabalho). Se o trabalhador apresenta sucessiva e reiteradamente quebras de produtividade que ponham em causa a atividade da empresa e o processo produtivo, pode ser alvo de sanções disciplinares tendentes ao apuramento da sua responsabilidade e, se se mostrar quebrada a confiança no trabalhador e a existência de prejuízos para a empresa com a sua atuação. O facto de o poder disciplinar apenas se manifestar em situações de crise na relação laboral, não pode concluir-se que não exista essa crise empresarial pelo simples facto de nunca ter sido exercido. O apuramento da responsabilidade disciplinar visa essencialmente apurar os concretos factos e a circunstância em que eles ocorreram para se aferir da existência ou não de responsabilidade do trabalhador no contexto organizacional.
O ideal é serem definidas políticas internas claras e objetivas, implementando-se procedimentos sobre a matéria do uso da Internet pelos trabalhadores, por forma ficar claro em que moldes e de que forma pode ser usada para fins pessoais, mantendo o empregador a possibilidade de monitorizar e sancionar as situações em que tais limites sejam excedidos, sempre que se coloque a atividade em causa.
Nos casos em que os instrumentos de trabalho são fornecidos pela empresa – como por exemplo telemóveis, computadores, tablets e acesso à internet – e verificando-se uma utilização desconforme com as diretrizes internas, prejudicial à atividade por diminuição do desempenho e performance do trabalhador, a empresa pode expressamente proibir o uso, por referência ao poder direção.
Estas regras podem resultar de políticas e regulamentos internos, que são enviados para conhecimento e assinatura do trabalhador, contudo, os Recursos Humanos possuem aqui um papel fundamental em dar a conhecer aos trabalhadores tais políticas existentes. Uma política interna bem desenhada e aplicável não se faz apenas com o envio aos trabalhadores dos manuais e políticas para seu conhecimento e assinatura, mostrando-se necessário o conhecimento das práticas internas e as consequências de incumprimento, desde a admissão do trabalhador.
Quanto mais detalhada e concreta for a regulamentação existente, bem como o conhecimento desta por parte da organização, maior a certeza e segurança para ambas as partes e maior o poder do empregador em monitorizar e sancionar eventuais infrações cometidas.
Gonçalo Caro @ DCM | Littler