Um trabalhador que colabore com as autoridades públicas em situações de corrupção ou de má administração interna pode ser despedido com justa causa por violação do dever de lealdade para com o empregador?
O tema dos sistemas de denúncia de comportamentos irregulares (“whistleblowing”) não é recente (cfr. casos Enron em 2001, Oil for Food em 2005 e FIFA em 2014), nem está isento de polémica, visto que não é fácil traçar a fronteira entre uma cooperação leal com as autoridades e um ato de vingança ou de pressão sobre uma determinada pessoa ou entidade.
Por exemplo, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) considerou, em 2011, que o despedimento de uma trabalhadora com fundamento na apresentação de participação criminal contra o empregador, com fundamento na falta ou insuficiência de assistência a pacientes, constituía uma violação do direito à liberdade de expressão previsto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Segundo o TEDH, a violação do dever de lealdade ao empregador podia ser admissível, desde que a participação (i) fosse necessária para a tutela do interesse público, (ii) não fosse conscientemente infundada ou leviana, (iii) fosse apresentada após recurso a outros meios mais discretos (ou internos) para corrigir ou eliminar o comportamento irregular e (iv) não consubstanciasse um ato manifestamente ilegítimo (ex.: vingança ou pressão pública para obtenção de uma vantagem privada).
Este tema coloca, nomeadamente, questões laborais e de proteção de dados. Ora, por um lado, o trabalhador deve (i) respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionam com a empresa, com urbanidade e probidade e (ii) guardar lealdade ao empregador. Por conseguinte, compreende-se que constitua justa causa de despedimento, designadamente, (i) a violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa, (ii) a lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa e (iii) a prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei (ex.: crime de denúncia caluniosa).
Por outro lado, de acordo com a Deliberação da Comissão Nacional de Proteção deDados (CNPD) (2009), o tratamento de dados aplicável às “Linhas de Ética” noâmbito financeiro está sujeito a prévia autorização da CNPD, devendo respeitaros princípios da proporcionalidade, da boa-fé e da transparência. Esta Deliberação parece apontar para a admissibilidade deste tipo de procedimentos apenas nos domínios da contabilidade, dos controlos contabilísticos internos, da auditoria, da luta contra a corrupção e do crime bancário e financeiro.
Todavia, em 2014, o Conselho da Europa emitiu uma Recomendação aos Estados-membros paraadotarem normas de proteção dos “whistleblowers”, nomeadamente no caso de denúncias sobre atos ou omissões que possam ameaçar ou prejudicar o interesse público nos domínios dos direitos humanos, saúde e segurança públicas e ambiente. Por outras palavras, as “Linhas de Ética” podem vir a assumir um alcance mais abrangente. Em suma, a criação de “Linhas de Ética” está na ordem do dia, coloca alguns problemas laborais e de proteção de dados que podem ser convenientemente resolvidos em instrumentos internos aprovados pelo empregador, ao abrigo do seu poder regulamentar.
Nota: publicado no Jornal OJE no dia 11.6.2015