Em julho de 2025 foi aprovada no Parlamento português uma reforma profunda da lei de estrangeiros – o Regime Jurídico de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros – proposta pelo Governo PSD/CDS para “regular e limitar os fluxos migratórios”. O texto final foi aprovado em 16 de julho de 2025, com os votos favoráveis do PSD, CDS e Chega e abstenção da Iniciativa Liberal. Desde logo, o diploma introduz várias restrições para quem quer entrar ou permanecer em Portugal e para estrangeiros já residentes. Destacam-se, infra, as principais mudanças e as suas implicações:
- Sistema de Entrada/Saída com biometria: passa a vigorar um sistema nacional de controlo fronteiriço que regista dados biométricos de todos os cidadãos de países terceiros (mesmo isentos de visto), reforçando a necessária a fiscalização nas fronteiras. Em paralelo, estabelecem-se regras mais rígidas de recusa de entrada e prazos de saída voluntária para imigrantes em situação irregular.
Por exemplo, estrangeiros irregulares passam a receber notificação para sair voluntariamente do país, em 10–20 dias. Este prazo pode ser prorrogado no caso de existirem menores envolvidos ou fortes vínculos sociais. Se houver suspeita de crime grave, fuga ou fraude documental, o cidadão pode ser alvo de expulsão imediata, sem direito a esse prazo, sob pena de crime de desobediência.
- Reagrupamento familiar: para pedir reagrupamento de familiares que estão fora de Portugal, o imigrante legalmente residente terá de aguardar pelo menos dois anos após obter autorização de residência. Esse atraso (inédito na lei portuguesa) foi justificado pelo Governo como alinhado com normas europeias. No entanto, os partidos da oposição e associações várias, criticam que o regime dificulta a integração. Além disso, fica limitado o reagrupamento de quem já está em território nacional e, em regra, apenas menores dependentes de residentes, com entrada legal, terão direito ao reagrupamento familiar. Excetuam-se desta regra os titulares de Autorização de Residência (AR) de nível alto (residência para qualificados, Golden Visa ou Cartão Azul UE).
- Vistos de curta duração e de residência: deixa de ser possível converter, no país, vistos de curta duração ou estadia temporária (como faziam cidadãos isentos de visto, p.ex. brasileiros ou timorenses) em autorizações de residência. Novos pedidos de AR devem ser feitos fora de Portugal, no consulado de origem do cidadão.
Na prática, cidadãos lusófonos sem visto perdem a antiga possibilidade de fixar residência sem sair do país. Consequentemente, os vistos concedidos são restringidos: só serão autorizados vistos de residência ou estadia temporária de curta duração – e vistos de procura de trabalho – a imigrantes altamente qualificados. O governo justificou essa limitação com o argumento da prioridade à imigração que Portugal considera vantajosa.
- Novo visto de procura de trabalho qualificado: foi criado um visto específico para estrangeiros que viajam a Portugal para procurar emprego, com requisitos mais estritos. O projeto prevê que o visto só seja concedido a quem comprove “competências técnicas especializadas” – ou seja, visa atrair essencialmente profissionais qualificados de vários sectores. O texto obriga ainda o cidadão a encontrar um emprego em 120 dias, caso contrário deverá sair do país e só poderá pedir visto idêntico um ano depois.
Essa mudança penaliza imigrantes que antes podiam entrar em Portugal com vistos temporários para procurar vagas em sectores básicos. Obriga-os agora a procurar ofertas qualificadas ou a regressar ao seu país, quando as não encontrem.
- Fim da “manifestação de interesse”: A tradicional manifestação de interesse – procedimento usado por muitos estrangeiros (sobretudo brasileiros) para regularizar estadia enquanto aguardam residência – é extinta. Em vez disso, foi aberto um período transitório até 31 de dezembro de 2025 para os interessados apresentarem pedidos de residência no mecanismo antigo. Depois dessa data, essa via desaparece definitivamente. A medida afeta todos os processos pendentes de estrangeiros que tinham protocolado manifestação de interesse. Aqueles que não obtiverem decisão até 2025 terão de se sujeitar às novas regras ou à saída do país.
- Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF): o texto cria na PSP uma nova força policial especializada chamada UNEF. Competirá à UNEF controlar as fronteiras (aeroportuárias) e fiscalizar a permanência de estrangeiros em Portugal. Em concreto, assumirá competências de afastamento, expulsão, readmissão e retorno de imigrantes em situação irregular – funções que estavam dispersas na extinta SEF e na AIMA. Para o Governo, a UNEF visa tornar mais “eficaz” o sistema de retorno de ilegais e reforçar a fiscalização migratória.
Em votação, a proposta da UNEF foi aprovada com votos de PSD, CDS, Chega e IL e PS e JPP abstiveram-se.
Implicações para estrangeiros residentes ou com processos pendentes
Na prática, as mudanças alteram imediatamente o panorama para imigrantes em Portugal:
- Estrangeiros já legalizados: quem possui residência legal (p.ex. de longa duração, trabalho, estudo) não terá o próprio estatuto revogado pelas novas regras. Verá apenas afetada a possibilidade de trazer familiares. Terá de esperar 2 anos após receber o título para pedir o reagrupamento. Além disso, se pretendia mudar de visto no país (por ex., de estudante para residente), agora só poderá fazê-lo no exterior. Essa mudança retira a via de regularização direta em território, muito usada por lusófonos.
- Estrangeiros de curta estadia (turismo ou procura de trabalho): aqueles que entraram com vistos de turismo/estudo ou isentos de visto e planeiam transformá-lo em residência deverão sair de Portugal e requerer o visto apropriado no consulado. Brasileiros ou timorenses, por exemplo, perdem a facilidade que tinham de apenas formalizar uma residência no país.
- Processos em curso (reagrupamento, vistos, manifestação de interesse): Não há menção expressa a regras transitórias além das referentes à manifestação de interesse. Em geral, espera-se que pedidos de reagrupamento pendentes sejam decididos segundo as novas exigências. As associações chamam à atenção para cidadãos que entraram em Portugal com um visto de trabalho e depois pediram reagrupamento dos restantes familiares já no país. Após a lei, apenas menores dependentes seriam reunidos de imediato. O processo deverá ser decidido em prazos legais de até 9 meses, prorrogáveis em casos excecionais, mas agora com as novas condições (idade/legalidade exigidas) para deferimento.
- Estrangeiros irregulares: as medidas tornam mais exigente a regularização. Desde 2024, o governo iniciou notificações de saída para cerca de 34 000 imigrantes em situação irregular. Com a nova lei, os prazos de saída voluntária (10–20 dias) são aplicados estritamente. Quem não cumprir poderá ser alvo de força policial pela UNEF. Criminosos ou clandestinos com fraude documental detetada, serão expulsos de imediato.
Promulgação e controle constitucional
Após a votação parlamentar, o diploma foi remetido à Presidência da República. No fim de julho de 2025 (último ano de mandato de Marcelo Rebelo de Sousa), na data da redação deste artigo, o Presidente ainda não o promulgou nem vetou. Segundo fontes jornalísticas, o Presidente indicou que “irá enviar para o Tribunal Constitucional” as alterações à Lei dos Estrangeiros, admitindo uma fiscalização preventiva das normas.
Oficialmente, o Palácio de Belém mantém todas as opções em aberto – podendo eventualmente enviar o texto ao TC para confirmação ou mesmo vetá-lo politicamente.
Se o Presidente não intervier no prazo constitucional de 20 dias úteis após a receção do documento, a lei entrará em vigor automaticamente. Ainda assim, a questão da inconstitucionalidade poderá ser suscitada numa futura ação pelos interessados. Por ora, permanece incerta a versão final do diploma que irá vigorar – e se eventuais vetos ou correções serão feitos pelo Tribunal Constitucional.
Concluindo, o novo pacote de imigração de 2025 introduz duras restrições – desde a entrada aos direitos de residente – e terá impacto direto nos estrangeiros em Portugal e nos que planeiam imigrar. O debate final remete para a análise jurídica da constitucionalidade e para a decisão política do Presidente sobre sancionar ou vetar o diploma.
Aguardemos…
Leonor Frazão Grego