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Nacionalidade e Residência: As Duas Faces da Nova Política Migratória Portuguesa

Outubro de 2025 marca uma viragem significativa no regime jurídico da imigração e da nacionalidade em Portugal. Em menos de uma semana, foram aprovadas duas reformas complementares: 

  • A nova Lei da Nacionalidade, aprovada pelo Parlamento a 28 de outubro de 2025; 
  • E a Lei n.º 61/2025, de 22 de outubro, que entrou em vigor no dia 23, alterando profundamente o regime jurídico de entrada, permanência e saída de estrangeiros em território nacional (Lei n.º 23/2007, de 4 de julho). 

Embora tratem de matérias distintas. A primeira, sobre o acesso à nacionalidade portuguesa; e a segunda, sobre a permanência e o trabalho de cidadãos estrangeiros em Portugal. Ambas desenham um novo quadro de política migratória, centrado na legalidade da residência, no controlo das entradas e no reforço dos critérios de integração. Com estas duas alterações legislativas, Portugal reforça o nexo entre residência legal e integração efetiva, afastando a ideia de automaticidade e aproximando-se de um modelo de nacionalidade por mérito e adesão consciente aos valores constitucionais.  

As alterações em causa refletem uma nova orientação da política migratória nacional, exigindo uma leitura integrada das suas disposições e objetivos, bem como uma consciência das suas implicações práticas. Importa, por isso, apresentar, de forma geral, os principais termos em que ocorrem. 

No que diz respeito à Lei da Nacionalidade, as mudanças mais relevantes e que entendemos salientar referem-se à eliminação da atribuição automática de nacionalidade às crianças nascidas em Portugal cujos pais estrangeiros se encontrem em situação irregular. A partir de agora, apenas os menores cujos progenitores residam legalmente em Portugal há, pelo menos, cinco anos poderão beneficiar desse direito, mediante manifestação expressa de vontade. 

O regime de naturalização também sofre modificações significativas, com o alargamento dos prazos mínimos de residência: sete anos para cidadãos de países lusófonos e dez anos para outras nacionalidades, contados desde a obtenção de título de residência válido. 

Adicionalmente, foi introduzida uma maior limitação na possibilidade de aquisição da nacionalidade por ascendência, que passa a abranger apenas até ao grau de bisnetos. Foi igualmente revogado o regime especial aplicável aos descendentes de judeus sefarditas e reforçados os critérios de integração cívica e cultural. Assim, os requerentes devem agora demonstrar conhecimentos de língua, história, cultura, símbolos nacionais, organização política e valores democráticos, sendo ainda exigida uma declaração solene de adesão aos princípios fundamentais da República Portuguesa. 

Por fim, uma das alterações mais marcantes é a introdução da possibilidade de perda da nacionalidade em caso de condenação, nos dez anos subsequentes à sua aquisição, por crimes de especial gravidade punidos com pena de prisão efetiva igual ou superior a cinco anos. Paralelamente, o critério penal de exclusão no processo de aquisição da nacionalidade tornou-se mais abrangente, deixando de se limitar a crimes puníveis com pena superior a três anos e passando a incluir quaisquer crimes que resultem em pena efetiva igual ou superior a um ano, nomeadamente terrorismo, tráfico, crimes sexuais, homicídio ou crimes contra o Estado português. 

Esta nova lógica parece deslocar o foco da “presunção de integração” para a demonstração ativa de adesão aos valores da República e da comunidade portuguesa, o que traduz uma mudança de paradigma na conceção de pertença nacional. 

Numa outra vertente, mas intimamente relacionada, a mesma lógica de exigência e de vinculação à legalidade está igualmente presente na reforma introduzida pela Lei n.º 61/2025, que altera o regime jurídico de entrada e permanência de estrangeiros, reforçando o controlo e a coerência do sistema migratório. A coerência entre ambas as reformas é evidente: enquanto a Lei da Nacionalidade reforça os critérios de aquisição e manutenção da cidadania, a Lei n.º 61/2025 atua a montante, disciplinando as condições de residência e trabalho que podem conduzir, futuramente, à naturalização, trazendo novidades que merecem destaque, sendo, de entre elas: 

  1. O fim da manifestação de interesse como base para autorização de residência. O cidadão estrangeiro deve agora entrar legalmente com visto válido e só então requerer residência; 
  1. Vistos sem contrato ou promessa de trabalho passam a destinar-se apenas a trabalhadores altamente qualificados com competências técnicas especializadas. 
  1. O reforço dos requisitos para reagrupamento familiar, que passam a exigir: (i) o mínimo de dois anos de residência legal prévia; (ii) a prova de alojamento adequado e meios de subsistência sem recurso a prestações sociais; (iii) a frequência obrigatória de formação em língua portuguesa e valores constitucionais, salvo exceções humanitárias; e (iv) a exigência de frequência escolar para menores e de integração familiar ativa. Importa dar nota de que o pedido de reagrupamento para maiores de idade deve ser feito a partir do país de origem, desaparecendo do regime o atual deferimento tácito. 
  1. Quanto à residência CPLP, passa a ser exigido um visto de residência prévio, não mais sendo possível requerer a residência através de vistos de turismo ou isenção. Mantém-se, contudo, a dispensa de parecer da AIMA, mas agora exige-se parecer da unidade de fronteiras do Sistema de Segurança Interna, podendo haver indeferimento por razões de ordem pública, segurança ou saúde pública. 

Esta reformulação do regime jurídico da imigração e da nacionalidade não se limita a produzir efeitos na esfera individual dos requerentes — repercute-se também nas práticas e responsabilidades das entidades empregadoras, levantando a questão: que implicações práticas decorrem deste novo paradigma? 

Estas mudanças impõem novas cautelas administrativas, sobretudo para empresas que contratam trabalhadores estrangeiros. É importante rever toda a documentação de residência e vistos dos trabalhadores, assegurando validade e regularidade, garantir que os contratos de trabalho fazem referência expressa a autorização ou visto de residência válidos, ajustar estratégias de recrutamento, dado que o visto de procura de trabalho se restringe a profissionais altamente qualificados. É, igualmente, essencial não descurar o registo na Segurança Social desde o início da relação laboral, acompanhando renovações de residência e validade dos comprovativos emitidos pela AIMA, I. P., tendo, ainda, presente que a manifestação de interesse deixa de ser reconhecida como título suficiente para regularização, salvo exceções expressamente previstas para cidadãos de PALOP ou processos pendentes. 

A rigor, as recentes reformas do regime jurídico da imigração e da nacionalidade configuram um verdadeiro redesenho das condições de acesso e de permanência em território nacional. Estas alterações têm um impacto direto tanto sobre os cidadãos estrangeiros como sobre as entidades empregadoras, razão pela qual as duas reformas não devem ser vistas apenas como paralelas, mas antes como complementares. Assim, impõe-se, desde já, uma análise geral do novo paradigma migratório, a partir de uma visão articulada e de uma abordagem integrada dos respetivos regimes. 

A nova Lei da Nacionalidade, que segue agora para promulgação pelo Presidente da República, pode ainda ser sujeita a fiscalização preventiva pelo Tribunal Constitucional. Até à sua publicação no Diário da República, manter-se-á em vigor o regime atualmente aplicável, sendo, por isso, essencial acompanhar atentamente as atualizações legislativas e regulamentares, nomeadamente através do Portal da AIMA e do Diário da República. Por seu turno, a Lei n.º 61/2025, estando já em vigor, já redefiniu e restringiu as condições necessárias para a obtenção dessa residência. 

Da nossa parte, a manter-vos-emos informados sobre as especificidades do regime e demais informações relevantes. 

Vinícius de Lima

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