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Direito de oposição do trabalhador à transmissão do seu contrato de trabalho.

O presente artigo versa sobre o tema do direito de oposição do trabalhador à transmissão do seu contrato de trabalho, no âmbito da transmissão de uma unidade económica ou estabelecimento.

O direito de oposição do trabalhador, reconhecido expressis verbis no Artigo 286º-A do CT, permite-lhe obstar à transmissão do seu contrato de trabalho para a empresa adquirente, permanecendo vinculado à empresa transmitente.

Este preceito foi introduzido pela Lei nº 14/2018, de 19 de março, que assumiu o elevado propósito de reforçar o conjunto de meios que protegessem o trabalhador contra a mudança de empregador emergente da transmissão de estabelecimento.

No fundo, o seu principal objetivo foi aumentar a proteção legalmente conferida ao trabalhador em caso de transmissão de empresa ou de estabelecimento.

 No entanto, a técnica legislativa adotada na redação do Artigo 286º-A, número 1, do CT, salvo melhor opinião, revelou não ser a melhor. A utilização de expressões como “nomeadamente” e “ou ainda”, aliada ao recurso de conceitos indeterminados suscitou dúvidas interpretativas.

A questão que me proponho analisar incide em saber quais os fundamentos previstos por lei para que o trabalhador possa exercer o seu direito de oposição. No fundo, discute-se se a parte final, do número 1, do Artigo 286º-A, do CT, prevê apenas um ou dois fundamentos para o exercício do direito de oposição.

Quanto a esta questão, não existe uniformidade, pelo que cumpre dar nota daquelas que têm sido as duas principais orientações.

A primeira orientação defende que o exercício do direito de oposição do trabalhador está dependente de um único requisito material (ou, nas palavras, da Professora Joana Vasconcelos[1], de um motivo justificativo comum[2]): a existência de um prejuízo sério para o trabalhador decorrente da transmissão do seu contrato de trabalho para o adquirente.

Segundo este entendimento, a lei conferiu ao direito de oposição um âmbito consideravelmente mais reduzido, circunscrevendo o seu exercício apenas às situações em que o trabalhador seja seriamente afetado pela transmissão da sua posição jurídica para o novo empregador.

Este tem sido o entendimento perfilhado, entre nós, pelos Senhores Professores Joana Vasconcelos, Pedro Romano Martinez e Pedro Madeira de Brito[3]. Além disso, esta posição foi também sufragada, em diversas ocasiões, pela Jurisprudência[4].

De uma forma geral, o prejuízo sério pode ser definido como o conjunto dos efeitos nocivos que a transmissão do contrato de trabalho para o adquirente possa gerar na vida do trabalhador e que seja suscetível de alterar, de forma substancial, as suas condições económicas e familiares.

Como sublinha o Senhor Professor Leal Amado, o prejuízo sério nada mais é do que um “fundamento racional, demonstrável e externamente sindicável, suscetível de prova e contraprova”[5].

Adicionalmente, importa referir que o prejuízo sério a que alude a lei não exige a ocorrência propriamente dita de um prejuízo (i.e., a lei não exige que a transmissão tenha efetivamente prejudicado o trabalhador).

De facto, nem faria sentido que o exigisse. Sendo o direito de oposição forçosamente exercido num momento anterior à transmissão da sua posição contratual, ao ser exercido, o trabalhador não chega sequer a prestar atividade sob as ordens e direção do adquirente.

Assim, não seria possível que o trabalhador fosse efetivamente prejudicado. Por essa razão, a invocação do prejuízo sério cinge-se apenas à demonstração de que a sua ocorrência no futuro seria possível, mediante um juízo de prognose e com base em dados ou indicadores objetivos, conforme resulta expressamente da expressão utilizada no Artigo 286º-A, número 1, do CT (“possa resultar prejuízo sério”).

No que diz respeito ao exercício do direito de oposição, cumpre dar nota que o ónus de invocação e demonstração do prejuízo sério no caso concreto compete ao trabalhador, nos termos gerais do Artigo 342º/1 do CC. Cabe, portanto, ao trabalhador esclarecer o conceito de prejuízo sério e justificar fundamentadamente quais as razões que o levam a antecipar como provável a sua ocorrência.

Face à ausência de uma definição legal de “prejuízo sério” e atento o carácter indeterminado do conceito, o legislador concretizou a sua exigência no Artigo 286º-A, número 1, do CT.

Segundo este setor da Doutrina e Jurisprudência, o legislador consagrou, no número 1 do Artigo 286º-A do CT, um elenco exemplificativo de situações em que este conceito se encontra verificado: i) quando exista manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente; ii) quando a política de organização do trabalho do adquirente não merecer a confiança do trabalhador.

A este respeito, importa ainda esclarecer que sendo um elenco meramente exemplificativo, o direito de oposição não precisa, necessariamente, de se cingir às duas situações mencionadas.

Como resulta claro do preceito, são admitidos outros motivos, desde que suscetíveis de causar um prejuízo sério ao trabalhador.

Em sentido diverso, um outro setor da Jurisprudência[6] e da Doutrina, no qual se incluem os Senhores Professores Leal Amado, Mª do Rosário Palma Ramalho e Júlio Gomes[7], tem entendido que a opção do legislador foi a de somar ao prejuízo sério a ausência de confiança para fundamentar o direito de oposição.

Segundo estes Autores, o trabalhador pode exercer o seu direito de oposição com base em dois fundamentos distintos e individualizados: i) ou porque a transmissão do seu contrato de trabalho para o adquirente é suscetível de lhe causar um prejuízo sério, nomeadamente, por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente; ii) ou porque, independentemente de eventuais prejuízos, a política de organização do trabalho do adquirente não lhe merece confiança.

No que concerne à distinção entre os dois fundamentos, importa sublinhar que estes possuem uma natureza e um carácter substancialmente distintos. O prejuízo sério corresponde a um requisito de teor objetivo e racional e pretende, mediante um juízo de prognose, demonstrar a possibilidade de prejuízos futuros. Pelo contrário, a ausência de confiança é um fundamento altamente subjetivo. Nas palavras do Professor Leal Amado, trata-se de uma emoção, uma sensação ou convicção do trabalhador.

Cumpre agora tomar posição. Com o devido respeito, discordamos da interpretação da Relação a propósito dos fundamentos legalmente admissíveis para o exercício do direito de oposição.

Tendemos a concordar com o setor da Doutrina e Jurisprudência que entende que o direito de oposição está dependente de um fundamento material transversal: a existência de um prejuízo sério para o trabalhador emergente da transmissão do seu contrato de trabalho para o novo empregador.

De facto, não vemos como sustentar a tese segundo a qual na parte final do Artigo 286º-A, número 1, do CT, estão previstos dois fundamentos distintos e individualizados.

Desde logo, com base no elemento literal. Apesar de a técnica legislativa do Artigo 286º-A, número 1, do CT, não ser conclusiva e precisa, consideramos que a intenção do legislador em consagrar apenas um fundamento ficou clara no Artigo 394º/3/ alínea d), do CT.

Segundo este preceito, o direito do trabalhador à resolução por justa causa depende da verificação “do fundamento previsto no nº1 do Artigo 286º-A”. A utilização, pelo legislador, do termo “fundamento” no singular demonstra-nos que a intenção do legislador foi consagrar apenas um único fundamento.

Adicionalmente, fundamos também o nosso entendimento com base no elemento sistemático.

Salvo melhor opinião, tendemos a considerar que a tese que defende a existência de dois fundamentos para o exercício do direito de oposição incorre em contradições lógicas e sistemáticas.

Desde logo, parece-nos altamente contraditório conceber um fundamento, neste caso, o prejuízo sério, como um motivo objetivo, racional e exigente, na medida em que é exigido um juízo de prognose que prove uma possibilidade séria de prejuízo para o trabalhador e, simultaneamente, um segundo fundamento extremamente subjetivo.

Essa incongruência torna-se ainda mais gravosa, a nossa ver, para quem defende, na senda dos Senhores Professores Leal Amado e Palma Ramalho, que a falta de confiança é um fundamento que está na livre disponibilidade do trabalhador, podendo ser arbitrária e discricionariamente exercido. Não nos parece fazer sentido a lei prever um fundamento de aplicação prática difícil e dependente de uma prova onerosa e, paralelamente, conceber um segundo fundamento totalmente discricionário e que o Tribunal não pode apreciar.

Maria Carlota Gonçalves


[1] VASCONCELOS, Joana, 2018, “Sobre a resolução do contrato de trabalho fundada na transmissão do adquirente da empresa ou do estabelecimento da posição contratual do empregador”, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, Almedina, Coimbra.

[2] Ou ainda, “um principal requisito substancial”, conforme mencionam os Senhores Professores Pedro Romano

Martinez e Pedro Madeira de Brito.

[3] MARTINEZ, Pedro Romano e BRITO, Pedro Madeira de, 2018, “O novo regime da transmissão da unidade económica introduzida pela Lei no 14/2018, de 19 de março”, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, Almedina, Coimbra.

[4] Acórdão do TRL, 18.01.2023 (Manuela Fialho), processo no 8068/20.7T8LSB-L1-4; Acórdão do TRL,15.12.2022 (Maria José Costa Pinto), processo no 9810/20.1T8SNT.L1-4, in www.dgsi.pt.

[5] AMADO, João Leal, 2021, “Ainda sobre os fundamentos do direito de oposição: crónica sobre dois acórdãos recentes”, in Questões Laborais, Almedina, Coimbra.

[6] Acórdão do TRP, 18.04.2024 (Germana Ferreira Lopes), processo no 2079/21.2T8VNG.P1; Acórdão do STJ, 06.03.2024 (Júlio Gomes), processo no 889/21.0T8EVR.E1.S1.

[7] AMADO, João Leal, 2021, “Ainda sobre os fundamentos do direito de oposição: crónica sobre dois acórdãos recentes”, in Questões Laborais, Almedina, Coimbra; RAMALHO, Maria do Rosário Palma, 2023, “Tratado de Direito do Trabalho Parte II – Situações Laborais Individuais”, Almedina Coimbra; GOMES, Júlio, 2018, “Algumas reflexões críticas sobre a Lei no 14/2018, de 19 de março”, in Prontuário de Direito do Trabalho, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa.

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