O debate sobre os salários dos gestores públicos em Portugal tem sido recorrente. Quem acompanha a atualidade sabe que, ciclicamente, surgem polémicas sobre valores considerados excessivos para administradores de empresas públicas, em contraste com a realidade económica do país. Mas afinal, existe lei que fixe limites? E se houver remunerações em atraso, durante quanto tempo podem ser reclamadas?
As Entidades Públicas Empresariais (E.P.E.), como hospitais, teatros nacionais ou empresas de transportes, têm forma de sociedade, mas pertencem ao Estado. Os seus administradores são considerados gestores públicos e estão sujeitos a regras próprias, previstas no Estatuto do Gestor Público (Decreto-Lei n.º 71/2007) e em diversas resoluções governamentais.
Um marco importante para esta questão, foi a Resolução da Assembleia da República n.º 53/2011, que recomendou a fixação de limites máximos às remunerações dos gestores, por razões de proporcionalidade e justiça. Essa recomendação foi concretizada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 16/2012, que estabeleceu um critério muito claro – nenhum gestor público pode ganhar, a título de remuneração base, mais do que o Primeiro-Ministro.
Além disso, as empresas públicas foram divididas em grupos (A, B e C), consoante a sua dimensão, e cada grupo tem uma tabela própria, fixada em percentagem do vencimento do Primeiro-Ministro. A isto acresce um abono para despesas de representação, mas sempre dentro de limites previamente definidos.
Este teto não é apenas simbólico. Traduz um princípio de transparência, moderação e responsabilidade na gestão do dinheiro público. Como resumiu a própria resolução parlamentar, importa garantir a “racionalização, proporcionalidade e equidade” entre empresas, gestores e o país no seu conjunto.
Apesar de terem estatuto público, as E.P.E. regem-se, supletivamente, pelo Código das Sociedades Comerciais (CSC), já que funcionam em moldes semelhantes a sociedades anónimas. O artigo 174.º do CSC prevê que a remuneração dos administradores deve ser fixada pela assembleia geral, tendo em conta as funções e a situação económica da sociedade.
Este artigo não substitui o regime especial do gestor público, mas funciona como princípio orientador: a remuneração deve ser adequada, proporcional e justificada pela saúde financeira da empresa. Ou seja, mesmo que o limite máximo esteja definido pelo Governo, o espírito do CSC continua presente — salários razoáveis, compatíveis com as responsabilidades e com os meios disponíveis.
Outra questão prática de relevo, prende-se com as remunerações não pagas ou não atualizadas. Imagine-se que uma entidade E.P.E. não pagou a tempo um prémio de gestão ou atrasou uma atualização salarial. O gestor pode exigir esses valores em qualquer altura?
A resposta está no Código Civil. O artigo 310.º fixa em cinco anos o prazo de prescrição para as chamadas “prestações periódicas”, onde se incluem salários e remunerações de gestores. Na prática, cada vencimento ou subsídio prescreve se não for reclamado judicialmente ou por via formal dentro dos cinco anos seguintes à sua data de vencimento.
Assim, se houver diferenças salariais antigas, apenas podem ser exigidas as que respeitem aos últimos cinco anos. As mais antigas ficam irremediavelmente prescritas, salvo se o prazo tiver sido interrompido (por exemplo, através de uma reclamação escrita atempada).
Concluindo, o regime português é claro: há limites máximos obrigatórios para as remunerações dos gestores públicos, indexados ao vencimento do Primeiro-Ministro; a proporcionalidade entre funções e salários é um princípio transversal, refletido no Estatuto do Gestor Público e no Código das Sociedades Comerciais e, finalmente, quem tem remunerações em atraso só pode reclamar os últimos cinco anos, nos termos do Código Civil.
Mais do que números, estas regras traduzem uma opção política e jurídica: assegurar que a gestão pública se faz com equidade, transparência e responsabilidade, evitando excessos e preservando a confiança dos cidadãos no uso do dinheiro público.
Leonor Frazão Grego