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Quando o trabalhador não é o que diz ser

Num cenário de entrevista, Abel referiu ser um expert no que toca a utilizar o Excel., mais tendo referido que falava francês fluente. Xavier, pretendendo “vender o seu peixe”, exagera no seu CV, referindo ter pleno domínio de todas as funcionalidades Microsoft e que tinha um grande espírito de equipa. António concorreu a uma vaga, enviando o seu CV, e referiu possuir carta de condução, sendo que a oferta de emprego expressamente exigia este título.

Abel, no fim de contas, uma vez contratado e já em funções, sabia utilizar o Excel., mas a sua técnica era, ainda assim, algo lacónica, sendo que, na verdade, sabia os essenciais de francês, para um diálogo básico. Não era, assim, o pretendido.

Xavier, por sua vez, já em contexto de trabalho, revelou desconhecer algumas das funcionalidades do Microsoft, de uso muito próprio da empresa-empregadora que o contratou, mais revelou ser uma pessoa individualista, focado em metas pessoais e pouco cordial com os seus colegas. Uma vez mais, não era o pretendido.

António, no seu primeiro dia, revelou que necessitava muito daquele emprego, omitindo o facto de não ter a carta de condução e que podia ainda assim trabalhar remotamente e que, no limite, podia servir-se dos transportes públicos. Não sendo manifestamente o que era esperado.

Todos estes cenários convocam sérias dúvidas sobre:

  1. Se os candidatos podem, de algum modo, deliberadamente mentir, nos seus CVs ou em entrevistas (?).
  2. Não podendo mentir, se podem, de algum modo, fazer uso de um arrojado “dolus bonus” (ex: mentira menor e piedosa, exageros naturais, meros embelezamentos da realidade) e até que ponto este passa a um “dolus malus”, isto é, quando ultrapassa a margem do razoável (?).
  3. Se as empresas-empregadoras podem de algum modo reagir face a estes cenários, designadamente de um modo preventivo e indemnizável (?).

Se alguns casos são evidentes, outros podem revelar um tema verdadeiramente complexo. Desde já recordamos os gestores, técnicos de RH e demais profissionais da área que sempre existe a possibilidade de (I) solicitar documentos, (ii) a realização de provas, entre outros. Mais ainda, (iii) sempre existiria um espaço próprio de validação das partes na relação laboral: o período experimental, que pode assentar em motivos objetivos ou subjetivos (desde que não abusivos ou discriminatórios).

Repare-se que, por vezes, a urgência da contratação não permite um recrutamento devidamente estruturado. Noutros casos, pode suceder que o profissional seja, à partida o perfil “TaylorMade” e exija que o período experimental seja reduzido ou excluído, para trabalhar na nova empresa-empregadora. De todo o modo, cabe analisar se o contrato de trabalho está bem redigido, estabelecendo as condições mínimas e essenciais e os termos em que a relação laboral é possível. De resto, não se vê prejudicada a possibilidade de se discutir a eventual responsabilidade (pré-)contratual.

Será um tema a acompanhar. Estaremos atentos.

Tiago Sequeira Mousinho

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