Com o Anteprojeto de Lei da reforma da legislação laboral (aqui) o Governo visou uma série de alterações. Entre outras, as regras processuais sobre a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (aqui, a lei vigente).
Trata-se de um anteprojeto, ao qual se segue a efetiva proposta de lei e, só depois, será apresentado e discutido no nosso parlamento. Carecendo, ainda, de ser aprovado, promulgado e publicado.
Nestes termos, o Anteprojeto apresenta novidades. Neste artigo dedicamos especial atenção ao disposto no novo número 2, do artigo 186.º-M, do Código de Processo do Trabalho (“CPT”), com a epígrafe “falta de contestação”. Dispõe o novo número 2 que:
“Se o trabalhador, no articulado previsto no número 4 do artigo anterior ou através do respetivo mandatário, vier ao processo declarar a sua falta de interesse no prosseguimento da ação, o juiz decreta a extinção da instância”.
A solução é nova e contrasta com a realidade vigente.
Significa, então, que para futuro, podemos vir a atender ao seguinte quadro:
- Poderá o trabalhador, ou o seu mandatário;
- Declarar no processo a falta de interesse no prosseguimento da ação (de reconhecimento do contrato de trabalho);
- E, com isso, o juiz decretar a extinção da instância.
A alteração visa o seguinte propósito ou finalidade: devolver ao trabalhador, ou a quem represente o interesse deste em juízo – mas sempre segundo a sua vontade – a possibilidade de não prosseguir com a ação judicial. Em paralelo, visa afastar todas as consequências indesejadas, de uma lide processual, a quem não pretenda ser envolvido.
Devolvendo, por conseguinte, a “idealizada autonomia”, mas sobretudo garantindo a margem de liberdade do trabalhador (i) em não litigar, com todos os efeitos emocionais ou psicológicos naturalmente associados à lide processual, (ii) ou pelo tempo e custo, (iii) ou mesmo, eventualmente, deste trabalhador se colocar numa posição eventualmente indesejada para o próprio, ao nível da sua situação tributária ou contributiva.
Quanto a isto, é usualmente referido que a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho tem, a si associado, o interesse público na garantia de atuação do Estado em lograr o pagamento de impostos e de contribuições para a segurança social, no âmbito do trabalho subordinado. Tratar-se-ia, pois, de uma intervenção pública, não condicionada pela vontade das partes.
Reservando-se, todavia, algumas dúvidas sobre o trabalho independente sempre estaria, ou não, sujeito a iguais regras, e como se os trabalhadores independentes não têm, afinal, também os deveres de pagamento de impostos e contribuições para a segurança social.
Mais. É, também, usualmente referido que a vontade do próprio trabalhador não seria relevante, atenta a sua posição “desnivelada” ou “desequilibrada” face à sua contraparte, o empregador. Ou mesmo a diferença económico-financeira ou a assimetria informativa. Ou, ainda, porque sobre a mesma vontade “paira” uma suspeita de condicionalismo, ou de constrangimento. Levando a que o próprio Estado force o cenário de litígio entre dois intervenientes que, no limite, podem estar em sintonia.
Sem mais, parece-nos também falacioso, dado que a medida de autonomia garantida não pode ser ela subvertida, para, no fundo, ser subtraída ou substituída pela vontade do Estado, na realização daquela que considera ser a política social do momento. Não quando força duas partes ao litígio e quando – antagonicamente – o próprio Código de Processo do Trabalho estabelece uma hiperbolização do ato conciliatório e a pacificação das relações laborais.
Repare-se que a lei fala em interesse, não na vontade. O interesse em agir no processo implica que a parte (trabalhador) pretenda ver resolvida a sua situação em Tribunal. Podendo não querer fazê-lo em juízo, mas fora dele, situação esta em que não tem o referido interesse processual. Nada impede a que as partes procurem mecanismos alternativos ao litígio, como frequentemente sucede aquando de negociações extrajudiciais.
As críticas face a esta medida compreendem-se, em parte, mas salienta-se, ainda, que tal declaração, por banda do trabalhador, que expresse a falta de interesse em agir no processo não deixa de (i) pode ser validada por mandatário, (ii) ou mesmo pelo próprio Tribunal que continua a deter amplos poderes de gestão do processo e que pode avaliar o eventual condicionamento ou constrangimento acima identificado.
A medida é, geralmente, positiva. Visa o apaziguamento das partes, devolve autonomia aos trabalhadores e garante certeza e segurança jurídica por ser naturalmente realizada em Tribunal.
Estaremos, todavia, atentos a possíveis desenvolvimentos.
Tiago Sequeira Mousinho