As democracias laborais modernas já chegaram a uma conclusão pragmática: a reintegração após um despedimento ilícito é uma medida cirúrgica, não uma solução universal.
A reintegração após um despedimento ilíicito é uma solução justa ou apenas um prolongamento do conflito? Embora a lei estabeleça a reintegração como efeito-regra, a realidade mostra que, na maioria dos casos, é um bilhete de regresso a um campo de batalha ou uma peça valiosa no jogo negocial pela indemnização.
Embora o princípio constitucional da segurança no emprego alinhe Portugal com convenções internacionais e outras experiências estrangeiras, nosso mecanismo de tutela para o despedimento ilícito é anacrónico. O ordenamento jurídico português elege a reintegração como efeito (quase) necessário e obrigatório de um despedimento ilícito, ○ que constitui uma singularidade que o afasta do paradigma dominante na Europa, onde se privilegiam, na maioria dos casos, as soluções de cariz indemnizatório.
As democracias laborais modernas já chegaram a uma conclusão pragmática: a reintegração é uma medida cirúrgica, não uma solução universal. Por isso, deve ser reservada para combater as injustiças mais graves, como a discriminação ou a violação grave de direitos de personalidade. Impor a reintegração para todos os casos é ignorar a realidade: uma relação de trabalho sem confiança é uma bomba-relógio. A sua aplicação não castiga apenas o empregador; gera um dano colateral que envenena o ambiente de trabaho e compromete toda a dinâmica da empresa.
A aplicação universal da reintegração gera dissonâncias jurídicas, transformando um mecanismo de proteção num instrumento de pressão. A sua falência é evidente em cenários que seriam impensáveis num sistema de justiça moderno. Vejamos.
A lei permite que um trabalhador, que acusa a empresa de lhe ter provocado um ” burnout”, exija o regresso. Será normal uma pessoa exigir regressar a um local que lhe causou danos tão significativos? Esta contradição revela o verdadeiro jogo: a reintegração não é o objetivo, mas sim uma alavanca para obter uma indemnização mais elevada. A lei deve incentivar esta manobra tática em vez de privilegiar a verdade?
Mais: o atual sistema pode forçar o regresso de um assediador sexual através da declaração de ilicitude do despedimento por violação do direito de defesa na fase do procedimento disciplinar, mesmo que, em tribunal, fique provado o assédio e a culpa do trabalhador. Neste sentido, a lei torna-se cúmplice na humilhação da vítima, obrigando-a a trabalhar com o seu agressor. Estes não são casos raros; são a prova de que uma lei cega à realidade produz injustiça. Recorde-se que o tecido empresarial português é composto maioritariamente por nano, micro e pequenas empresas que, muitas vezes, não têm recursos para recorrer a assessoria jurídica especializada. A lei deve perpetuar a proteção dos agressores?
A alteração proposta pelo anteprojeto “Trabalho XXI”, apesar das críticas, representa uma evolução na lógica de resolução de litígios. Essencialmente, a proposta de alteração transfere a decisão de uma regra legal rígida para a esfera da ponderação judicial, permitindo que um tribunal avalie casuisticamente se a reintegração é exequível ou se resultaria num prejuízo grave para a organização.
Esta mudança é urgente, porque o sistema atual finge que é possível reconstruir relaçóes profissionais que estão mortas, criando ambientes de trabalho tóxicos. Pior: a reintegração tornou-se a principal arma de negociação, um teatro penoso onde, frequentemente, ninguém deseja o desfecho imposto pela lei.
O princípio fundamental não é diminuir a proteção do trabalhador, mas sim otimizá-la. A decisão final sobre a reintegração e a compensação permanece na esfera de um órgão de soberania o tribunal -, que está em melhor posição para analisar as provas e as especificidades da situação, ou seja, realizar a Justiça no caso concreto.
Ao permitir que o tribunal converta uma reintegração inviável numa compensação majorada, o sistema torna-se mais transparente e eficiente. Elimina-se a necessidade de um conflito artificial, garantindo ao trabalhador uma reparação económica superior de forma mais célere e previsível.
Em suma, é necessário responder à seguinte questão essencial: deve o sistema laboral insistir num formalismo que se prova frequentemente destrutiva e ineficiente ou, em alternativa, deve evoluir para um modelo que confere à Justiça as ferramentas para uma composição equitativa dos interesses de todas as partes, alinhando Portugal com as práticas laborais mais modernas?
David Carvalho Martins