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TRABALHO XXI: NOVAS SOLUÇÕES

O anteprojeto da Lei da Reforma da Legislação Laboral, divulgado a 24 de julho de 2025, tem suscitado um debate intenso em Portugal. É imprescindível proceder a uma análise mais objetiva das propostas, afastando-se de críticas superficiais de objeções ideológicas, visando alcançar um modelo laboral próximo da realidade e que promova a criação de mais e melhores oportunidades de trabalho.

Vejamos, por exemplo, os seguintes temas:

1. A presunção de laboralidade Em vez de duas presunções, passamos a ter uma presunção de alcance geral, que inclui um indício adicional. Assim, devemos apurar se existem restrições à autonomia organizativa do prestador da atividade decorrentes (i da determinação dos períodos de trabalho ou de ausência pelo beneficiário da atividade, (i) de restrições à liberdade de aceitação de tarefas pelo prestador da atividade, (ii)| da limitação do recurso a subcontratados ou substitutos do prestador da atividade e (iv) da escolha dos clientes pelo beneficiário da atividade, Por outro lado, esta presunção pressupõe que a atividade é regular e que o prestador da atividade se encontra numa situação de dependência económica (pessoa singular que preste, diretamente e sem intervenção de terceiros, uma atividade para um beneficiário do qual. obtenha 80% do seu rendimento anual). regime atual tem conduzido a resultados manifestamente excessivos, designadamente através da declaração da existência de contrato de trabalho quando o prestador de atividade assume o risco da atividade, se pode substituir, pode decidir quando trabalha, não ter exclusividade ou até pode recusar trabalhos sem sequer apresenta justificação.

2. Parentalidade As propostas apresentadas visam alcançar um novo equilíbrio P licença parental inicial pode ser aumentada até 180 dias, o que demonstra um reforço dos direitos parentais. No caso de interrupção da gravidez, o regime de faltas para assistência a membro do agregado familiar é estendido ao acompanhante da trabalhadora, que pode faltar até 15 dias, embora sem remuneração (tema que pode ser refinado). A dispensa para amamentação passa a ter um limite temporal de dois anos e exige a apresentação de um atestado médico no início do período, e de seis em seis meses a partir daí. Atualmente, o atestado pode ser solicitado com qualquer periodicidade.

3. Período experimental Por um lado, elimina o período experimenta de 180 dias para trabalhadores à procura de primeiro emprego ou desempregados de longa duração e recoloca o desafio de eliminação de barreiras à entrada no mercado de trabalho destes profissionais no regime de contrato de trabalho a termo. Por outro lado, elimina a redução do período experimental por trabalho prestado a empregador diferente.

A solução atual é, no mínimo, anacrónica com a finalidade do período o experimental, o qual corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção.

4. Formação profissional O anteprojeto reconhece a realidade da microempresa (menos de 10 trabalhadores), através da redução das 40 para as 20 horas por ano. Contudo, cabe discutir se, em termos gerais, o objetivo de formação profissional deve ser quantitativo ou qualitativo.

5. Teletrabalho Por um lado, permite a regulação por convenção coletiva de trabalho, e desse modo confia que os parceiros sociais podem adaptar o regime legal às especificidades da profissão ou do sector profissional. Por outro lado, substitui a atua rigidez por uma solução cristalina e de bom senso: as reuniões de trabalho e as tarefas que, pela Sua natureza, devem ser realiza das em períodos pré-programados em articulação com outros trabalhadores, devem ter lugar dentro do horário de trabalho

6. Contratos a termo Em primeiro lugar, alarga a duração máxima dos contratos de trabalho a termo (três anos para termo certo e cinco anos para termo incerto). Em segundo lugar, aumenta também a duração mínima para um ano. Em terceiro lugar, permite a contratação a termo (i) no lançamento de nova atividade de duração incerta, bem como início do funcionamento de empresa ou de estabelecimento, nos dois anos posteriores a qualquer um desses factos, independentemente da dimensão da empresa, (ii) na contratação de trabalhador que nunca tenha prestado atividade ao abrigo de contrato de trabalho por tempo indeterminado, ou que esteja em situação de desemprego de longa ou de muito longa duração e (iii) na contratação de trabalhador reformado por velhice ou invalidez.

7. Cessação do contrato de trabalho Em primeiro lugar, esclarece que a apresentação de uma autodeclaração de doença com intuito fraudulento constitui uma falsa declaração, sujeita a justa causa de despedi mento. Em segundo lugar, alarga o regime de procedimentos disciplinares com intenção de despedimento previsto para as microempresas às pequenas (de 10 a menos de 50 trabalhadores) e às médias (de 50 a menos de 250 trabalhadores) empresas. Em terceiro lugar, substitui a exigência de homologação judicial da declaração de remissão abdicativa de créditos laborais pelo reconhecimento notarial da assinatura. Em quarto lugar, elimina a proibição da terceirização ou de ‘outsourcing’. Em quinto lugar, elimina a presunção de aceitação do despedimento quando recebe do empregador a compensação pelo despedimento e, em troca, prevê que o pedido de reintegração no âmbito da ação de apreciação judicial do despedi mento constitui o trabalhador na obrigação de prestar caução da compensação recebida perante o tribunal.

8. Contratação coletiva A proposta revoga a possibilidade de o trabalhador não filiado em sindicato escolher a convenção coletiva aplicável. Em alternativa, poderá estabelecer-se um regime de aplicabilidade geral, no qual a convenção que abranja mais de metade dos trabalhadores poderá ser aplicada aos restantes por determinação do empregador.

9. Greve Os sectores de atividade potencialmente abrangidos por serviços mínimos foram alargados, incluindo o abastecimento alimentar e os serviços de cuidado a crianças, idosos, doentes e pessoas com deficiência.

Em suma, trata-se de um anteprojeto que deve ser amplamente debatido. O direito do trabalho é tradicionalmente perfurado por conceções ideológicas, políticas e filosóficas. As soluções apresentadas, embora polémicas, visam modernizar a legislação laboral portuguesa, atendendo às necessidades do tecido empresarial e ao reequilíbrio das relações modernas entre empregadores e trabalhadores. Entre outros, cabe também aos empresários e aos gestores de pessoas e talento ajudar a centrar o debate e a eliminar o mito de que todos (ou a esmagadora maioria) dos empregadores são maus, pérfidos e que se deliciam na exploração dos trabalhadores. Aceitam o desafio?

David Carvalho Martins

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