Face à discussão que tem vindo a ganhar relevo nos dias de hoje, especialmente perante uma sociedade como a nossa, onde o desporto é colocado na ordem do dia, cabe analisar, perante as situações de assédio que surgem no âmbito dos desportistas profissionais, os meios legais possíveis para combater este fenómeno e acautelar os denunciantes.
Desta forma, cabe, antes de mais, relembrar que os desportistas profissionais são alvo de um regime jurídico de contratação específica, na medida em que se aplicam, em primeiro lugar, as disposições previstas na Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, deixando para segundo plano e aplicando-se de forma subsidiária as regras gerais do contrato de trabalho, previstas no Código do Trabalho, que sejam compatíveis com as especificidades da modalidade desportiva.
Ora, da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, resulta no seu artigo 12.º, n.º 2, que o assédio laboral é proibido, remetendo para as normas previstas no Código do Trabalho, nomeadamente o seu artigo 29.º. Deste artigo resulta que a prática de assédio constitui contraordenação muito grave, conferindo à vítima o direito de indemnização, não podendo os denunciantes, nem as testemunhas, serem sancionados disciplinarmente.
Outro mecanismo que atualmente é alvo de discussão quando se fala em assédio, é o regime do Whistleblowing, aprovado pela Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro. Relativamente a este diploma surge, em primeira instância, a questão de saber se essa deverá ou não ser aplicado no âmbito das relações laborais; enquanto se pergunta, em segunda instância, se abrange ou não os casos de assédio.
Há quem entenda que se deva aplicar este regime no âmbito laboral, incluindo perante situações de assédio, uma vez que o mesmo é considerado uma contraordenação no nosso ordenamento jurídico, então deverá também ser aplicado perante os contratos de trabalho dos desportistas profissionais, tendo os respetivos clubes o ónus de implementar um canal de denúncias. Confere-se assim uma maior proteção ao denunciante, coincidindo com o princípio da proteção da parte mais fraca que baseia o regime laboral português.
No entendimento da posição contrária, ou seja, da não aplicação do regime do whistleblowing ao domínio laboral, poderá parecer, a uma primeira vista, que não há nenhum regime aplicável que proteja os denunciantes, porém, como referido anteriormente, deverá recorrer-se ao disposto no regime laboral comum, que será sempre aplicável aos contratos de trabalho desportivos por força da Lei n.º 54/2017.
Perante o mundo do desporto profissional, onde o corpo é praticamente o instrumento de trabalho e a vida privada é bastante limitada, intensifica-se a necessidade de acautelar estas situações de assédio laboral, seja através da aplicação do regime do whistleblowing, passando os clubes a ter uma obrigação de implementar canais de denúncia, ou através da elaboração de uma regulamentação mais específica e protetora dos denunciantes, por parte do Estado e das próprias associações e federações desportivas.
Marta Coelho Valente @ DCM | Littler