Muito se ouve falar a propósito do conflito de interesses. O que significa? Em geral, existem duas formas de explicar o fenómeno (i) uma primeira, assente na ideia de que uma pessoa não pode representar e intermediar dois interesses distintos, contrapostos e inconciliáveis (ii) e uma segunda, assente numa ideia de quem a própria pessoa não se pode vigiar ou avaliar a si mesma.
Várias expressões populares são utilizadas para concretizar as duas máximas expostas tais como: (i) “no mesmo jogo não se pode ser árbitro e jogador”, (ii) “e quem guarda o guarda?”, (iii) “será o lobo quem cuida das ovelhas?”, (iv) “não se pode jogar numa e noutra equipa simultaneamente”, entre outros.
Sem prejuízo de outros, o conflito de interesses (i) visa acautelar que alguém opere uma intermediação de dois interesses inconciliáveis e, ainda, (ii) previne que existam tomadas de conduta ou de decisão que sejam suscetíveis de serem colocadas em dúvida (razoável) sobre a sua imparcialidade e isenção.
Neste sentido, são já várias as proibições ao nível da acumulação de cargos, de incompatibilidades (proibições referentes ao cargo) e de impedimentos (proibições decorrentes de relacionamentos). A proibição do conflito de interesses foca-se, sobretudo, na representação, intermediação e avaliação de um tema sem aquelas garantias acima referidas.
A ausência de conflito de interesses, sob as lentes laborais, é, na verdade, congénere do dever de lealdade (quer dos trabalhadores em funções públicas, quer dos trabalhadores que atuam no setor privado), e em bom rigor, o dever de um trabalhador se encontrar numa total ausência de conflito de interesses é um dever familiar dos demais deveres de lealdade e de fidelidade. De outra forma não se pode entender este comando, atento o disposto no art. 9.º da Diretiva 2019/1152 [e o respetivo Considerando (29)], relativa a condições de trabalho transparentes e previsíveis na União Europeia.
Assim, a par do dever de não concorrer com o empregador, com o dever de sigilo e, eventualmente de exclusividade, o trabalhador deve procurar ausentar-se de potenciais conflitos de interesse, sobretudo se este cenário potencialmente gerar um prejuízo objetivo do ponto de vista empresarial ou comercial para o empregador. O art. 128.º, n.º 1, al. f), do CT, continua a ter uma importância capital. Neste momento, também uma leitura a contrário do disposto no art. 129.º, n.º 1, al. k) (e o respetivo n.º 2), do mesmo Diploma, permite reforçar a ausência de conflitos de interesse, porquanto a exclusividade imposta unilateralmente poderá servir um verdadeiro propósito preventivo.
E isto sem prejuízo, naturalmente, das regras deontológicas decorrentes de profissão específica ou de ordens profissionais. Naturalmente, os deveres respeitantes à ausência de conflitos de interesse podem decorrer de lei ou de princípios gerais de Direito, todavia, destaca-se o papel das políticas internas, dos códigos de ética e de conduta e, no fundo, de qualquer regulamento interno de empresa que concretize ou especifique a título exemplificativo deveres no âmbito da prevenção dos cenários de conflito de interesse.
Atendendo ao “paradigma de compliance” alguns trabalhadores podem, de facto, estar sujeitos a diretrizes específicas no âmbito da prevenção e combate à corrupção e na proteção de denunciantes. Atendendo às regras de Direito administrativo, outros tantos podem estar sujeitos a estritas exigências ao nível de contratação pública. Outros tantos exemplos podem ser fornecidos.
Estaremos atentos a estes temas particularmente relevantes.
Tiago Sequeira Mousinho @ DCM | Littler