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Atualidade laboral: O desvio de trabalhadores e a “concorrência desleal laboral”

By 6 Novembro, 2024Dezembro 30th, 2024No Comments

Um artigo de opinião de Tiago Sequeira Mousinho, Advogado da DCM | Littler, na RH Magazine. 

 

Em termos menos rigorosos, a palavra “desvio” sugere uma certa transgressão social e moral da pessoa humana e é, geralmente, associada a uma conduta conotada com um sentido pejorativo. Por sua vez, a palavra “concorrência” advém da ideia de “correr em conjunto” e, também em termos menos rigorosos, sugere uma competição, entre dois ou mais sujeitos, por um certo resultado.

Vejamos de que modo estas aproximações podem ser úteis: para nos ajudar a compreender o tema em volta dos “desvios de trabalhadores”, dentro do cosmos dos Recursos Humanos (RH) e de modo a identificar quais as limitações existentes no âmbito do mercado de trabalho livre e globalizado.

Sabendo, de antemão, que as empresas-empregadoras pretendem atrair e reter talento (ou, os melhores profissionais) naquele que será, para alguns de nós, o auge da mobilidade laboral International. Pretendemos fazê-lo, sumariamente, em três breves notas: (1) O que é e como se tem revelado, (2) Alguns cenários limite; e (3) Como prevenir e reprimir estes fenómenos.

(1) O que é e como se tem revelado

O disposto no artigo 311.º do CPI (“Código da Propriedade Industrial”) não concretiza o desvio de trabalhadores (“employee pooling”); sem prejuízo, atento o caráter meramente exemplificativo, a lei deixa em aberto outros cenários de concorrência desleal, além dos casos tipificados.

De facto, quando pensamos em desvios no contexto comercial e industrial, pensamos essencialmente no desvio de clientela, de distribuidores, de fornecedores e, em geral, dos parceiros negociais (no fundo, no desvio de elementos externos que são funcionalmente conexos à organização laboral). Os trabalhadores, contudo, têm assumido particular relevância nas unidades económicas das organizações laborais, constituindo verdadeiros “assets”.

Destacamos, em especial, os trabalhadores-chave (“key-employees”) que, além da sua “força braçal” e da sua prestação intelectual (ex: criativa, inventiva e inovadora), podem dispor de dados, conhecimentos e experiências (o “know-how laboral”) particularmente relevante (e, nalguns casos, carregam consigo verdadeiros segredos de negócio da empresa, destacáveis da sua “bagagem profissional”).

Os trabalhadores têm assumido particular relevância nas unidades económicas das organizações laborais, constituindo verdadeiros “assets”.

Fazemos, desde já, nota que o mero ato de contratar (convite a contratar, proposta e efetiva contratação) de um trabalhador, bem como a mera concorrência entre empresas-empregadoras pelos melhores profissionais, não constitui, por si, um “desvio de trabalhadores” ou um ato não alinhado com os usos honestos da prática comercial. Este é, aliás, o livre comércio, a liberdade profissional e a liberdade contratual no seu esplendor.

No mais, são efeitos decorrentes da sã concorrência e que, no limite, ajudam a prevenir a cartelização do “preço”, i.e., de salários, permitindo aos trabalhadores (re)negociarem as suas condições laborais, em especial a sua remuneração com alguma margem.

Sendo a concorrência um efeito inerente ao risco de atividade das empresas (ou pelo menos assim se deseja), os Tribunais têm adiantado os seguintes requisitos para se aferir de um desvio de trabalhadores, sendo esta uma das manifestações laborais de concorrência desleal:

i) Um ato e uma relação de concorrência entre empresas/empresários.

ii) Um “desvio relevante” – em razão de quantidade, substância ou qualidade e tempo. Poder-se-á falar de um potencial desvio quando uma empresa empregadora “leva” mais de 50 trabalhadores num universo de 80; quando uma concorrente “alicia” 3 trabalhadores-chave que alavancam a empresa-empregadora nas vendas; quando uma concorrente incita os trabalhadores de empresa terceira à denúncia do contrato (para os recrutar de seguida), forçando aquele negócio ao fracasso.

iii) Por fim, este ato terá de ser contrário aos usos honestos e, com isso, corresponder a uma prática desleal – portanto, exige-se que esta atuação vise a afetação da empresa empregadora, i.e., a cause um “prejuízo sério”, como a desorganização, a desagregação, a agressão a uma unidade económica e produtiva. O modo como pode esta esta estratégia pode operar varia, enfim, tanto quanto a criatividade dos agentes permita.

Repare-se que o desvio de trabalhadores é apenas um dos fenómenos que pode ser enquadrado na cláusula de concorrência desleal. Mas pode existir concorrência desleal, ainda assim, em face das situações em que não haja real e efetiva contratação por parte do concorrente desleal.

Este poderá ter o simples objetivo de destabilizar os recursos humanos de terceiro. Poderá estar em causa a mera realização de várias entrevistas (“entrevistas phishing”), para causar distúrbio e, eventualmente, “extrair” algumas informações acerca da organização interna.

O concorrente desleal pode, no limite, incentivar à denúncia dos contratos de trabalho, sem proceder à sequencial contratação. Pode, também, incentivar (ex: financeiramente) ao conflito coletivo, como sucede com o caso das greves financiadas por terceiros concorrentes. Não será, também, descabido pensar-se em estratégias de assédio moral a trabalhadores de empresas-empregadoras, terceiras, de modo a destabilizar e prejudicar o normal funcionamento daquelas (ou, no limite, levar à disrupção do local de trabalho).

(2) Alguns cenários limite

Apesar da simplicidade com que apresentámos as hipóteses, na verdade, a concorrência desleal carece de ser demonstrada – e, esta prova, poderá, também ela, ser algo diabólica. Se é verdade que o caso pode ser mais explícito quando uma empresa alicia diretamente e, ao mesmo tempo, vários trabalhadores num curto espaço de tempo, o mesmo não se dirá quando aquela empresa simplesmente anuncia, faseadamente e ao longo do tempo, vagas em rede profissional da internet ou em página web pública, para preenchimento de postos de trabalho com “urgência” (com toda a discussão em torno deste conceito).

No caso de trabalhos muito específicos e altamente especializados é comum que certos trabalhadores-chave tenham, junto de si, uma equipa fiel (ex: equipas de investigação) e com a qual não prescindem de trabalhar (ou que, sem estes, não seja, de todo, possível trabalhar).

Existirá desvio de trabalhadores, na aceção de concorrência desleal, quando um trabalhador-chave consegue levar consigo o seu braço direito (ou dois “braços-direitos”), com quem trabalha, há largos anos, e que tem sucedido e acompanhado no tempo, entre diferentes empresas-empregadoras?

É comum que certos trabalhadores-chave tenham, junto de si, uma equipa fiel.

Por fim, será que existe desvio de trabalhadores, na aceção de concorrência desleal industrial, quando o empresário ou a empresa tenha, por obrigação legal, que “admitir” trabalhadores? Por exemplo, em caso de transmissão de unidade económica (artigos 285.º e ss., do CT) e de sucessão da posição de empregador (por força de lei)? A obrigação legal de “assumir” os trabalhadores descarateriza qualquer concorrência desleal?

Recorde-se que as transmissões podem (i) dar-se por qualquer título, incluindo os títulos não-contratuais (ex: atos administrativos e atos judiciais) e (ii) podem, até, estar em causa as ditas transmissões indiretas (com a possível ausência de informação entre empresas-empregadoras).

(3) Como prevenir e reprimir estes fenómenos

Os fenómenos associados ao desvio de trabalhadores podem ser prevenidos:

(i) aliás, uma primeira via assenta, naturalmente, numa cultura de formação especializada nas matérias de RH, sobretudo quanto ao quadro normativo vigente em matéria de recrutamentos e atuais tendências;

(ii) em segundo, poder-se-á sugerir um breve recordatório, conveniente, acerca das regras e compromissos (éticos e jurídicos) em sede dos procedimentos de “offboarding” de profissionais nas empresas-empregadoras;

(iii) sem se prescindir, todavia, da ponderação em torno dos acordos, por exemplo, com (ex-)trabalhadores, que permitam dissuadir os desvios de trabalhadores (sem, todavia, cair na problemática dos acordos “no-poach”, proibidos pelo Direito da concorrência).

O tema da concorrência desleal laboral, por diversas ocasiões, surge “atrelado” da violação ou da proteção de segredos de negócio por trabalhadores. Razão pela qual se tem falado num certo “compliance intelectual” interno, para acautelar uma e outra situação, sobretudo no pós-cessação dos contratos de trabalho.

Como seria de expectar, o tema em volta da concorrência desleal pode ser discutido judicialmente. Os Tribunais têm, aliás, sido ocupados com diversas hipóteses desta natureza e edificado algumas das considera que foram supra identificados e resumidos.

Não se deixa, contudo, de se sublinhar o tempo, o custo associado e a velha questão, a saber: se as partes, ao deixarem o tema da concorrência desleal para a repressão em sede judicial, estão ou não a arriscar a mera tutela indemnizatória (?). Mais vale prevenir do que remediar? Parece-nos que sim.