Foi publicado no dia 21 de junho o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/2024, que fixou jurisprudência no sentido de que, para que possa ser ilidida a presunção de aceitação do despedimento constante do n.º 4 do artigo 366.º do Código do Trabalho, a totalidade da compensação recebida pelo trabalhador deverá ser devolvida por este até à instauração do respetivo procedimento cautelar ou ação de impugnação do despedimento, sendo esse o significado da expressão “em simultâneo” constante do n.º 5 do mencionado artigo 366.º.
Esta solução é, conforme o proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, a “mais coerente com o prazo de que dispõe (o trabalhador) legalmente para tomar tal decisão, como é (a) que melhor garante a certeza e a previsibilidade – dispensando a decisão casuística de quantos dias é que seria razoável para que o trabalhador efetuasse a devolução – e o mais conforme com o respeito pelo direito de acesso à justiça e o mais fiel à teleologia do preceito”.
Sublinhe-se que o Acórdão recorrido decidiu, numa ação especial de impugnação de um despedimento coletivo, e no seguimento da sentença de 1.ª instância, “que as recorrentes ao receberem, e não devolverem de imediato, o valor das compensações, mas apenas 19 dias depois, e sem qualquer razão justificativa, adotaram uma conduta contraditória com o propósito de recusa do despedimento”, concluindo, neste sentido, que não foi ilidida a presunção de aceitação do despedimento nos termos do artigo 366.º, n.º 5, do Código do Trabalho.
É ainda de notar que as Autoras, não conformadas, interpuseram recurso de Revista Excecional, fundamentado no artigo 672.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Civil. Para tal, alegaram que a questão em causa, devido à sua relevância jurídica, é crucial para uma melhor aplicação do Direito, e que a decisão do tribunal inferior contraria, nos seus fundamentos, Acórdãos recentes do próprio Supremo Tribunal de Justiça.
Como é sabido, nos casos de despedimento coletivo, despedimento por extinção do posto de trabalho e despedimento por inadaptação, o trabalhador tem direito a uma compensação. Em concreto, o artigo 366º do Código do Trabalho, com a epígrafe “Compensação por Despedimento Coletivo”, estipula no seu nº 1 que “O trabalhador tem direito a compensação correspondente a 14 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade”. Por sua vez, o nº4 do artigo supramencionado estabelece que “Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo.” e o n.º 5 que “A presunção referida no número anterior pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último.”.
Esta presunção de aceitação do despedimento e o modo de a ilidir têm dado, azo a críticas e sobressaltos, já tendo sido a norma do nº 5 descrita pela doutrina como “estranha e perturbadora”. Nomeadamente, surge uma dificuldade de interpretação no que respeita a definir o que se entende por “em simultâneo”, por forma a permitir ilidir a presunção de aceitação do despedimento. Uma vez que a norma não estabelece um período concreto, fica em aberto quão rigorosamente deve ser avaliada a devolução da compensação pelo trabalhador para que esta seja considerada uma devolução simultânea, capaz de ilidir a presunção de aceitação do despedimento nesses casos.
Com efeito, questiona-se “em simultâneo” com o quê, e, por conseguinte, até quando?
Trata-se de uma questão que anteriormente havia recebido respostas muito distintas, tanto na jurisprudência, quanto na doutrina. Nomeadamente, dos Tribunais das Relações resultaram Acórdãos que defendiam que a devolução deveria ocorrer de modo tanto quanto possível ou imediato (a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/02/2018, processo n.º 21737/16.7T8PRT.P1), embora acrescentando, por vezes, que se deve atender às circunstâncias concretas de cada caso. O próprio Supremo Tribunal de Justiça apresentou igualmente, no passado, uma grande variedade de soluções. Tenha-se em conta, por exemplo, o Acórdão proferido a 17/03/2016, no processo n.º 1274/12.0TTPRT.P1.S1, em que se decidiu pela devolução imediata ou quase imediata ao recebimento do quantitativo disponibilizado, sob pena de, assim não procedendo, cair sob a alçada da presunção legal a que se reporta o n.º 4 do artigo 366.º, traduzida na aceitação do despedimento. Por sua vez, e já divergindo, sublinhou-se no Acórdão proferido em 23/09/2020, no âmbito do processo n.º 10840/19.1T8LSB.L1.S1, que a expressão “em simultâneo” deve ser interpretada com a flexibilidade necessária para abranger diversas situações, permitindo uma apreciação ajustada aos eventuais factos alegados pelo trabalhador para afastar a presunção de aceitação do despedimento. Além disso, enfatizou-se que cada caso deve ser apreciado judicialmente, considerando todo o contexto dinâmico do caso concreto. Por fim, e mais recentemente, o Acórdão proferido a 12/10/2022, no processo n.º 1333/20.5T8LRA.C1.S1, decidiu que a “ ilisão da presunção legal, prevista no artigo 366.º n.º 5 do CT para o despedimento por extinção do posto de trabalho, consubstancia-se com a devolução da totalidade da compensação, simultaneamente, com a apresentação em juízo de um dos dois procedimentos legais previstos nos artigos 386.º e 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho”.
Contudo, o Acórdão objeto de análise veio, deste modo, esclarecer o significado da expressão “em simultâneo” constante do artigo supramencionado, eliminando quaisquer dúvidas existentes e proporcionando uma certeza e segurança jurídicas a esta questão- inserida na importante temática da segurança no emprego e da proibição dos despedimentos sem justa causa-, visando prevenir possíveis arbitrariedades futuras nas decisões em concreto.
Inês Lourenço Galvão, Estagiária de Verão @ DCM | Littler