artigos...

A “garden leave” nas relações de trabalho: Uma licença para tratar do jardim?

O nosso texto de hoje procura (muito sumariamente) esclarecer alguns aspetos sobre as cláusulas “garden leave” que, aparentemente, não possuem equivalente (i) direto em alguma das figuras jurídicas do nosso Código do Trabalho, ou mesmo (ii) no nosso léxico, da prática dos recursos humanos e da gestão de pessoas. Analisaremos estas figuras “estranhas”, com cunho vincadamente internacional que, nos últimos anos, passaram a integrar a prática dos gestores, dos “RH” e, naturalmente, dos Advogados com prática em recursos humanos e no Direito do trabalho português.

(1) O conceito e a (possível) origem

Comecemos, então, pelo conceito empregue: a “garden leave”, que, pelo nome, tem cunho assumidamente internacional e… aparentemente voltada para o cuidado do jardim.

Parece-nos que a origem desta figura remonta a uma conhecida série televisiva dos anos 80’ e 90’, “Yes, Minister”, onde, a personagem principal, para tomar a dura decisão de afastar uma pessoa suspeita de divulgar informações a serviços de outro país, decide “afastar” outra personagem – sem grandes certezas, mas também sem correr grandes riscos – referindo que esta personagem suspeita entrará numa “leave” (licença), uma “garden leave” (i.e., a licença para cuidar ou tratar do jardim, numa tentativa de tradução livre). Naturalmente, quando referimos, aqui, o “jardim”, podemos referir qualquer outra coisa: mas ponto assente será o de que: a pessoa não estará a trabalhar e não está em contacto com a organização.

No fundo, subjacente ao contexto televisivo acima exposto, transmite a ideia de um afastamento, regulado e acordado, para que não existam, a título de exemplo, riscos ou suspeitas de acesso, utilização, registo ou divulgação não autorizada de informações sensíveis de uma organização.

A prática internacional retrata esta figura como um acordo entre as partes para regular alguns períodos usualmente associados ao momento imediatamente anterior à cessação do contrato de trabalho: (i) em sede de “negociação de saída” (ou durante o “offboarding”), ou em (ii) cumprimento do aviso prévio (“notice”). Podendo suceder, entre outros, em sede de procedimentos de reestruturações empresariais.

E, até aqui, a experiência internacional tem apontado alguns benefícios concomitantes para ambas as partes. Por um lado, para as empresas-empregadoras, como sucede com: (i) a proteção de ativos (materiais ou imateriais) e (ii) a mediação equidistante de algumas saídas mais conturbadas (diante do próprio trabalhador ou deste com colegas de trabalho, clientes, fornecedores ou distribuidores). Por outro, por banda dos trabalhadores existem interesses que podem ser concorrentes ou concomitantes com os do empregador, nomeadamente em (i) conciliar, naquele momento, os aspetos da vida privada ou familiar, (ii) ou mesmo garantir que o trabalhador tem um período de reflexão, tranquilidade, para tomar uma decisão esclarecida e, eventualmente, consultar apoio jurídico para o efeito.

A “garden leave” não está geralmente pensada para os momentos após a cessação do contrato de trabalho. Reitere-se, por norma, esta implementação pressupõe a vigência do contrato de trabalho ainda que nas suas fases ditas “finais”. Todavia, esta é uma figura que pode assumir diferentes tipos de configuração conforme se dará conta.

(2) Correspondência em Portugal: no Código do Trabalho, para RH e na gestão de pessoas

Os juristas referem que se trata de uma figura legalmente atípica (e, neste caso, não tem previsão ou mesmo regulação normativa expressa), mas que é socialmente típica (i.e., que é conhecida e posta em prática pelos profissionais do comércio e do trabalho), podendo, no entanto, fazer-se corresponder a outra ou outras possibilidades que nos são conhecidas.

Em termos práticos, a “garden leave”, ou a nossa “licença para tratar do jardim”, poderá traduzir-se, sem prejuízo de outras: (i) numa dispensa de prestar trabalho, por acordo, (ii) ou numa suspensão do contrato de trabalho, também por acordo (p.e., uma licença remunerada ou não remunerada). Por outras palavras, o Código do Trabalho não “conhece” a “garden leave”, mas conhece, de facto, outras figuras sobre as quais aquela pode ser sustentada ou ajustada. Importa referir que a figura que cuidamos neste escrito assenta num acordo e que a mesma, à partida, atua no interesse de ambas as partes da relação laboral.

Neste sentido, podem as licenças servir para tratar do jardim, da casa, do cão e do gato … No fundo, para tudo (o que seja do interesse do trabalhador) … Todavia, dependerá do modo como este acordo se encontra redigido e como possa ser fundamentado. Vejamos apenas alguns aspetos práticos (na verdade, algumas questões no quotidiano laboral).

(3) “Garden leave”: Algumas questões práticas; Conclusão

Existem alguns aspetos práticos que suscitam dúvidas: devem as “garden leave” ser acordadas? No próprio contrato de trabalho? Em aditamento ou adenda? Deve resultar por escrito? Aquando do início do contrato de trabalho? Durante a execução, ou aquando das negociações atinentes à cessação? Qual o limite temporal? Pode ter sanções contratuais associadas? Pode ser bilateralmente acordado para ser unilateralmente exercida? Pode ser programada para atuar automaticamente com a denúncia do contrato de trabalho ou aquando de qualquer negociação com vista à cessação do contrato? Pode operar nos casos em que o pré-aviso de denúncia do contrato de trabalho é contratualmente ampliado pelas partes? Pode ser acordada uma reversão (o regresso, uma vez “tratado o jardim”)?

São inúmeras as questões. Esta figura, tal como criada pelas partes, requer a devida interpretação-aplicação e deve ser entendida à luz daquilo que um Direito do trabalho contemporâneo reclama: a praticabilidade das soluções para as partes. Estaremos atentos a futuros desenvolvimentos.

Um artigo de opinião assinado por Tiago Sequeira Mousinho publicado na RH Magazine.

Partilhar