O Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão proferido no dia 09.09.2024, no âmbito do processo n.º 12354/23.6T8PRT.P1, analisou o prazo de prescrição aplicável aos créditos resultantes de acordo de revogação de contrato de trabalho.
O Caso e as Principais Reivindicações
No caso em análise, foi celebrado no dia 21 de maio de 2021, um acordo de revogação de contrato de trabalho, no âmbito do qual as partes acordaram o pagamento de uma compensação no valor de 95.000,00 euros (noventa e cinco mil euros), dos quais 75.000,00 euros (setenta e cinco mil euros) seriam pagos na data de cessação do contrato de trabalho. Os restantes 20.000,00 euros (vinte mil euros) ficariam condicionados aos resultados de uma auditoria contabilística cujos resultados teriam, de ser comunicados até 15 de agosto de 2021.
Sucede que, a empresa pagou os 75.000,00 euros (setenta e cinco mil euros) e mais 22.500,00 euros (vinte e dois mil e quinhentos euros), em setembro de 2021. Posteriormente o trabalhador recorreu a Tribunal para reclamar créditos que, no seu entender, ainda estariam por pagar, pedindo que a anterior empregadora, fosse condenada no pagamento dos seguintes montantes:
“a) A pagar ao A o valor da dívida no indicado montante de 24.606,48€ (vinte e quatro mil seiscentos e seis euros e quarenta e oito cêntimos);
- b) A pagar ao A. o valor dos prémios anuais em dívida desde 2011 (apenas lhe foram pagos em 2011 e 2012, o montante de €10.000,00 anuais, perfazendo, no global €20.000,00) cujo montante total ascende, entre 2011 e 2021, a 130.000,00 € (cento e trinta mil euros);
- c) A pagar ao A., a título de indemnização por danos morais, decorrentes da supra referida conduta da R. e que ainda não cessaram de se produzir e por isso ainda não podem ser integralmente liquidados neste momento, o montante que, para já, se reputa não ser inferior a € 30.000,00 (trinta mil euros);
- d) A pagar ao A. os competentes juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data do respectivo vencimento e desde a data da citação até integral pagamento, calculados sobre cada um dos montantes peticionados nas antecedentes al. a) e b);””
O Autor requereu Notificação Judicial Avulsa da Ré, tendo esta sido notificada no dia 14.07.2022.
Tendo em consideração o disposto no n.º 1, do art. 337.º, do C.T: “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”, entendeu o Tribunal que por se tratar de créditos decorrentes do contrato de trabalho, deveria ser a exceção de prescrição julgada procedente (uma vez que os créditos estavam prescritos desde o dia 22.05.2021) e consequentemente absolvida a anterior empregadora de todo o petitório.
Porém, não se conformando com o teor da sentença proferida, o Autor interpôs recurso da decisão para o Tribunal da Relação do Porto.
Do acordo de revogação do contrato de trabalho resultava que:
“5. Considerando que decorre, atualmente, uma auditoria contabilística a uma sociedade do Grupo – A…, na qual o Segundo Outorgante exerceu funções de gerência, acordam as partes em estabelecer que a parte da compensação, no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros), está condicionada à não existência de valores dos quais o Segundo Outorgante seja responsável, pelo que, se da auditoria resultar algum crédito a favor da Primeira Outorgante, o mesmo será descontado no valor dos € 20.000,00 (vinte mil euros) aqui acordado, sendo então pago o valor remanescente ou, pago pelo Segundo Outorgante à primeira o saldo que a favor desta resultar.
6. O Segundo Outorgante reserva-se ao direito de contestar os resultados da auditoria caso discorde do resultado da mesma, sem que, contudo, esta faculdade do Segundo Outorgante tenha qualquer influência sob a cessação do presente contrato de trabalho, a qual aceita de forma inequívoca e irrevogável pela outorga do presente acordo.
7. A Primeira Outorgante compromete-se a terminar a auditoria referida no ponto precedente até 31 de julho de 2021, informando o Segundo Outorgante até ao dia 15 de agosto de 2021 do valor dos débitos/créditos a seu favor, comprometendo-se a – existindo algum crédito a favor do Segundo Outorgante –, transferir até 31 de agosto de 2021 para a conta bancária do mesmo o respetivo valor apurado, depois de feitos os descontos legais.
8. Se a Primeira outorgante não proceder à comunicação referida no ponto anterior, no prazo ali definido, o Segundo Outorgante terá direito a receber, de imediato e sem necessidade de interpelação, o valor da compensação de € 20.000,00 (vinte mil euros) indicado no número 5 da presente cláusula, acrescido do valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), perfazendo um total de € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros), constituindo o presente acordo título executivo para o efeito.
9. Caso a mencionada auditoria não venha a ser concluída até à data mencionada no ponto 7, o Segundo Outorgante mantém o direito a reclamar judicialmente o reembolso dos créditos que entende ter sobre a Primeira Outorgante, e que não se incluem no valor de € 20.000,00 retidos da compensação, sem que, contudo esta faculdade do Segundo Outorgante tenha qualquer influência sob a cessação do presente contrato de trabalho, a qual aceita de forma inequívoca e irrevogável pela outorga do presente acordo.”
Decisão do Tribunal da Relação do Porto
Ora, tendo em conta o teor do acordo de revogação do contrato de trabalho, o Tribunal da Relação do Porto entendeu o seguinte:
- Em relação ao peticionado em a), “Ou seja, tal crédito resulta do acordo de revogação do contrato de trabalho, pelo que o mesmo não se mostra extinto por prescrição, seja em função do entendimento que aqui se aplica o prazo ordinário, seja em função da interrupção resultante da notificação judicial avulsa. O mesmo se aplicando ao pedido de condenação em juros de mora relativos a tal crédito”;
- Em relação ao peticionado em b) “não existem dúvidas que os mesmos se prendem diretamente com a relação laboral estabelecida entre autor/recorrente e a ré/recorrida, pelo que nenhuma censura merece a decisão quando julgou prescritos tais créditos, nos termos acima transcritos.”
- Em relação ao peticionado em c), “os danos não patrimoniais peticionados se prendem, pelo menos parcialmente, com o incumprimento do acordo de revogação, pelo que também este eventual crédito não se mostra prescrito, exclusivamente no que se refere a estes.”.
Em suma,
O entendimento do Tribunal da Relação do Porto considerou que: “O prazo de prescrição do art. 337º, nº 1, do Código do Trabalho, aplica-se apenas aos créditos resultantes diretamente da relação laboral, não tendo aplicação aos créditos resultantes do acordo de revogação do contrato de trabalho, os quais estão sujeitos ao prazo de prescrição ordinário.”
Será que os créditos em causa são totalmente alheios ao contrato de trabalho? Será que não se fundamentam – i.e., estão associados à celebração, execução, vulneração e extinção do contrato de trabalho?
Estaremos atentos a desenvolvimentos futuros.
Joana Azenha e João Silva Ribeiro @DCM | Littler