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O tratamento mais (ou menos) favorável ao trabalhador

By 19 Junho, 2024No Comments

O princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador reporta-se à hierarquia das fontes de direito do Direito do Trabalho, em especial à relação existente entre a lei e as convenções coletivas de trabalho (CCT), nos termos do art. 3.º do Código do Trabalho (CT). A lei assume primazia face às demais fontes de direito hierarquicamente inferiores, incluindo as CCT, quando estas assumem carácter imperativo, espelhada na expressão salvo quando delas resultar o contrário – arts. 3.º, n.º 1 e 478.º do CT.

Coloca-se, no entanto, a questão de saber se poderá ocorrer uma prevalência das CCT face a normas de natureza supletiva? A resposta deve ser positiva, nas seguintes situações:

a) A CCT pode estabelecer disposições menos favoráveis face à lei com natureza supletiva ou dispositiva ou que estipulem vantagens máximas para os trabalhadores; e

b) Imposição do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador face à norma legal com natureza supletiva no conjunto de matérias, constantes do elenco do art. 3.º, n.º 3 do CT, a saber:

  1. Direitos de personalidade, igualdade e não discriminação;
  2. Proteção na parentalidade;
  3. Trabalho de menores;
  4. Trabalhador com capacidade de trabalho reduzida, com deficiência ou doença crónica;
  5. Trabalhador-estudante;
  6. Dever de informação do empregador;
  7. Limites à duração dos períodos normais de trabalho diário e semanal;
  8. Duração mínima dos períodos de repouso, incluindo a duração mínima do período anual de férias;
  9. Duração máxima do trabalho dos trabalhadores noturnos;
  10. Forma de cumprimento e garantias da retribuição, bem como pagamento de trabalho suplementar;
  11. Teletrabalho;
  12. Prevenção e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais e legislação que o regulamenta;
  13. Transmissão de empresa ou estabelecimento;
  14. Direitos dos representantes eleitos dos trabalhadores.
  15. Uso de algoritmos, inteligência artificial e matérias conexas, nomeadamente no âmbito do trabalho nas plataformas digitais.

Significa isto que nos restantes casos, os CCT podem prevalecer, ainda que em sentido menos favorável ao trabalhador.

Este foi o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, que, em Acórdão recente, de 12.04.2024, acolheu o entendimento que a convenção coletiva pode afastar-se da lei tanto em sentido mais favorável, como menos favorável, em relação ao montante da retribuição e do subsídio de férias.

O caso planteado à decisão do Supremo Tribunal de Justiça consistia em saber se a remuneração de trabalho suplementar prestado pelo trabalhador deveria ter sido considerada no cálculo da retribuição e do subsídio das férias, mormente tendo em conta a regulamentação coletiva aplicável.

Entendeu o Venerando Tribunal que para que uma prestação efetuada pelo empregador ao trabalhador seja considerada retribuição é necessário que a mesma seja contrapartida do trabalho, obrigatória para o empregador, regular e periódica. Em regra, o trabalho suplementar é excecional pelo que a sua remuneração não será regular e periódica, não sendo, por conseguinte, retribuição. Contudo, remata o Acórdão que, a convenção coletiva se pode afastar da lei, a não ser que se trate de uma norma absolutamente imperativa, tanto em sentido mais favorável para o trabalhador como em sentido desfavorável, sendo que a retribuição durante as férias não consta do elenco legal de matérias.

Significa este entendimento do Supremo Tribunal que, quanto ao subsídio de férias, com a entrada em vigor do CT de 2003, este deixou de ser de montante igual ao da retribuição, solução mantida, pelo atual CT, não existindo assim um montante mínimo de subsídio de férias que seja inderrogável por IRCT, podendo o instrumento coletivo dispor em sentido in peius do trabalhador.

 Gonçalo Caro @ DCM | Littler