No mundo do futebol profissional, as transferências temporárias são frequentes e, embora necessárias, trazem à tona questões complexas sobre direitos e prémios. Recentemente, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu sobre se um jogador emprestado pode reclamar o prémio pela qualificação da sua equipa para a UEFA, mesmo estando a jogar por outro clube.
Apesar de cedido temporariamente a um clube, por uma época, o clube de origem manteve a titularidade sobre o poder disciplinar e a responsabilidade pelo pagamento do salário. O jogador vem reclamar o prémio pela qualificação para a UEFA, apesar de, à data da qualificação, estar cedido a outro clube.
É comum no futebol profissional que, em casos similares de cedências temporárias de jogadores durante a época, os atletas apenas receberem do clube de origem os créditos pendentes à data da cedência, relativos a objetivos já alcançados e cumpridos nesse clube.
No entanto, neste caso, uma das cláusulas do contrato de cedência estipula: “Não obstante a cedência temporária, o Clube SAD permanece responsável perante o jogador, continuando a pagar-lhe a totalidade do salário e créditos vencidos à data, conforme previsto no contrato de trabalho com o Clube SAD.”
Desta forma, discute-se o direito do jogador ao prémio pela classificação direta da equipa “A” do Clube de origem para a fase de grupos da Liga Europa (UEFA), obtida na época 2021/2022, período em que o jogador estava cedido a outro club que não obteve classificação.
Neste contexto, o Tribunal analisou a intenção das partes no momento da celebração do contrato de cedência, especialmente sobre o direito a prémios, tendo em conta os documentos escritos (contrato de trabalho desportivo, respetivo complemento, contrato de cedência e troca de emails). Desses documentos resulta que o contrato do jogador com o Clube de origem, permaneceu ativo, mesmo durante o empréstimo, até à cessação do contrato de trabalho desportivo, que ocorreu por caducidade numa data posterior.
Direitos do jogador emprestado
O prémio em questão é considerado um direito vincendo do jogador, pois a sua obtenção dependia de a equipa principal alcançar a qualificação direta para a fase de grupos da Liga Europa/UEFA, resultado que só podia ser confirmado no final da época desportiva. Isto deve-se ao facto de a qualificação depender não só da classificação na 1ª Liga portuguesa, mas também do resultado da Taça de Portugal.
Assim, o prémio só se tornou devido quando o jogador estava cedido, apesar de ter mantido o vínculo contratual com o Clube cedente.
No momento do apuramento para a fase de grupos, o jogador continuava vinculado ao Clube de origem através do contrato de trabalho desportivo, sendo este clube responsável pelo pagamento do salário, exercício do poder disciplinar, manutenção do seguro de acidentes de trabalho e supervisão médica, até à cessação do contrato.
A decisão do Tribunal da Relação de Guimarães
O Tribunal concluiu que, para um destinatário normal, a expressão “créditos vencidos à data”, presente na cláusula 3ª do contrato de cedência temporária, conjugada com o teor do email enviado pelo Administrador do Clube de origem [“Boa noite CC, Conforme falamos, confirmo que o AA mantém os direitos (vincendos) conforme contrato de trabalho com o Clube 2, ficando a jogar ao serviço do Clube 1 até final da época.” ] diriam respeito, não apenas aos créditos vencidos, mas também a todos os créditos que pudessem vencer-se posteriormente, resultantes de direitos sujeitos a verificação de condições.
O Tribunal esclareceu ainda que os direitos vincendos são aqueles que, à data do contrato de cedência, dependiam de uma condição futura, razão pela qual ainda não eram devidos.
O empréstimo a outro clube não põe termo ao contrato de trabalho, apenas o suspende, sem que tal implique a diminuição dos direitos previamente adquiridos pelo jogador. Mais ainda, os direitos vincendos, ou seja, aqueles que ainda não eram exigíveis, abrangem qualquer crédito que o jogador pudesse vir a adquirir, neste caso, com a verificação da condição — não só a classificação no campeonato da 1ª Liga, mas também a vitória na Taça de Portugal.
No direito do trabalho, mesmo quando o jogador muda de campo, os direitos continuam a jogar em casa — porque, afinal, contratos são como golos: só contam quando cumprem todas as regras!
João Silva Ribeiro @ DCM | Littler