Os diversos projetos de revisão constitucional, apresentados pelos partidos representados na Assembleia da República (AR) desde meados de 2022, possuem disposições que visam alterar enunciados normativos da comumente designada “Constituição laboral”, i.e., as disposições específicas e voltadas para o domínio do trabalho.
Os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais constituem um importante limite material de revisão (art. 288.º, al. e) CRP). Não obstante, nada impedirá o legislador ordinário – nas vestes de constituinte derivado – de consagrar normas que salvaguardem estas matérias, acolhendo disposições que vão para além do inicialmente e atualmente consagrado na Constituição.
Assim, cumpre referir, ainda que sucintamente, os projetos apresentados:
Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública (art. 47.º): PSD: propõe que (i) o n.º 2 passe a ter como redação «(t)odos os cidadãos têm o direito de acesso a empregos públicos, em condições de igualdade, liberdade e transparência, em regra por via de concurso»; e (ii) a alteração da epígrafe para «liberdade de escolha de profissão e acesso a empregos públicos». | Comissões de trabalhadores (art. 54.º): PS: propõe que o n.º 2, al. f) passe a dispor sobre a «(promoção), nos termos da lei, (d)a eleição de representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais das empresas»; PSD: propõe (i) a eliminação da alínea acima referida; bem como (ii) da al. b) (exercício do controlo de gestão nas empresas). |
Liberdade sindical (art. 55.º): PCP: propõe que o n.º 6 preveja a proteção legal adequada dos representantes eleitos dos trabalhadores quanto a «cessação do seu vínculo contratual». | Direito das associações sindicais e contratação coletiva (art. 56.º): PCP: propõe que (i) o n.º 4 preveja que a lei ordinária, estabelecendo as regras de eficácias das normas da convenção coletiva, não possa excecionar desta os casos de cessão total ou parcial de uma empresa ou estabelecimento»; (ii) o aditamento de um n.º 5, dispondo que «(a) lei determina as formas de extensão dos direitos previstos nas convenções coletivas, não podendo estas caducar automaticamente»; e (iii) um n.º 6, referindo que «(a)s associações sindicais têm sempre legitimidade processual como autor em defesa do interesse coletivo da categoria independentemente do exercício do direito de ação pelo trabalhador». |
Direito ao trabalho (art. 58.º): CHEGA: propõe que (i) o n.º 1 passe a dispor que «(t)odos têm direito ao trabalho bem como o dever de trabalhar, exceto para aqueles que sofram diminuição de capacidade por razões de idade, doença ou invalidez»; (ii) alterando-se a sua epígrafe para «dever e direito ao trabalho»; BE: propõe que (i) seja alterado o n.º 2, al. b), referindo que incumbe ao Estado promover a igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do «género, pertença étnico-racial e orientação sexual» o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais»; (ii) aditando-se uma nova alínea ao mesmo n.º, referente ao dever do Estado de promover «(a) garantia de vínculos legais de emprego e a cobertura dos trabalhadores por IRCT»; | Direito ao trabalho (art. 58.º): PCP: propõe o aditamento de uma nova al. ao n.º 2, relativa ao dever do Estado de promover «(a) estabilidade dos vínculos contratuais, nomeadamente através da promoção da contratação sem termo»; PS: propõe que o n.º 2, al. c) passe a também dispor sobre dever estatal de promoção da «requalificação profissional dos trabalhadores». |
Direitos dos trabalhadores (art. 59.º): BE: propõe que (i) o proémio do n.º 1 disponha que «(t)odos os trabalhadores, sem distinção de (…) género, pertença étnico-racial, (…) deficiência, estado de saúde, (…)», (ii) alterando-se a al. e) para o direito «(à) assistência material, universal, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego», (iii) aditando-se uma al. g), referente «(à) garantia de efetiva desconexão profissional dos trabalhadores nos seus períodos de descanso», e (iv) uma al. h), dispondo sobre «(a) garantia de que a tomada de decisões que afetem os candidatos a emprego ou trabalhadores, por meio de algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial, respeita os princípios da transparência ou não discriminação», para além de (v) que dispor no n.º 2 sobre o dever do Estado de assegurar especial proteção «das pessoas com deficiência ou incapacidade» no âmbito do trabalho (n.º 2, al. h); PS: propõe que (i) o proémio do n.º 1 disponha que «(t)odos os trabalhadores, sem distinção de (…) identidade de género, orientação sexual, etnia», (ii) a alteração da al. b), para a consagração do direito a organização do trabalho em condições socialmente dignificante, de forma «(a) eliminar a precariedade de vínculos e condições laborais», (ii) o aditamento de um al. g) referente ao direito de todos os trabalhadores terem «garantias de defesa em processo disciplinar»,(iii) a alteração do n.º 2, al. d), referente ao dever do Estado na «proteção da parentalidade, através das licenças, dispensas e subsídios a definir na lei», (iv) a alteração do n.º 3, passando a dispor que «(o)s salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei, incluindo a salvaguarda do montante e condições de pagamento contratualmente acordados», (v) aditando um n.º 4 dizendo que «(o) trabalho assalariado só pode ser prestado com base em contrato livremente celebrado» e (vi) um n.º 5 dispondo que «(é) proibido o trabalho forçado e o trabalho infantil». PAN: propõe que o proémio do n.º 1 seja que «(t)odos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, género, orientação sexual, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas (…)». | Direitos dos trabalhadores (art. 59.º): IL: propõe que o n.º 2, al. a) excecione do dever do Estado relativo ao estabelecimento e a atualização ao RMMG no caso de os trabalhadores estarem «abrangidos por um salário mínimo municipal ou setorial superior». PCP: propõe (i) o aditamento de uma nova al. ao n.º 1, referente ao direito de todos os trabalhadores «(a) estabilidade do vínculo contratual»; (ii) a alteração do n.º 1, al. b) (passando para al. c), dispondo sobre o direito de todos os trabalhadores «(à) organização do trabalho em condições socialmente dignificante (…) nomeadamente através da estabilidade da organização do horário de trabalho»; (iii) a alteração do n.º 2, al. a), prevendo o dever do Estado em promover « (o) estabelecimento, a atualização e a valorização em termos reais do salário mínimo nacional (…)»; (iv) a alteração do n.º 2, al. b), referindo-se ao dever estatal de fixação nacional dos limites de duração do trabalho, «reduzindo-os progressivamente sem perda de direitos»; e (v) a alteração do n.º 2, al. c), dispondo sobre o dever estatal de especial proteção do trabalho do «das crianças, das pessoas com doenças crónicas ou deficiências, ou com capacidade de trabalho reduzida». PSD: propõe (i) a alteração do n.º 2, al. c), referente ao dever do Estado de assegurar « (a) especial proteção do trabalho das mulheres durante a gravidez e após o parto, e durante o tempo necessário à sua efetiva recuperação, e ainda a ambos os progenitores, em especial garantindo que não são prejudicados os seus direitos em matéria de remuneração, descanso e efetivo gozo das suas licenças parentais, de aleitamento e assistência à família»; (ii) o aditamento de uma nova al. ao n.º 2, relativo ao dever estatal de garantir «(a) especial proteção dos menores em situação de trabalho e das pessoas com deficiência»; e (iii) o aditamento de – outra – nova al. ao n.º 2, referindo o dever de «proteção das condições de trabalho dos cuidadores informais». |
Garantias especiais da retribuição (aditamento do art. 59.º-A): PCP: propõe o aditamento de um art. 59.º-A, dispondo que «(o) salário mínimo é impenhorável e sobre ele não poderão incidir quaisquer compensações, descontos ou deduções, salvo por dívidas por alimentos nos termos e nos limites da lei» (n.º 1), que «os créditos salariais emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação são pagos com preferência a quaisquer outros» (n.º 2), e que «(a) lei estabelece garantias civis e penais do pagamento pontual da retribuição devida aos trabalhadores por conta de outrem, assegurando, em caso de atraso, a sua adequada proteção». |
Vê-se, por conseguinte, que (pelo menos) o desejo de alteração dos preceitos referentes à Constituição laboral chega a ser próximo da unanimidade no Parlamento, ainda que os vários espectros políticos apontem para diferentes soluções a apreciar, com profundos reflexos. Devemos ter em atenção, contudo, o valor especialmente reforçado que possuem estas normas constitucionais e, possivelmente, o impacto que cada uma das alterações poderá ter na vida prática das organizações.
Manter-nos-emos atentos ao decorrer do processo de aprovação desta futura – e ainda hipotética – nova Lei Constitucional.
João Villaça, Tiago Sequeira Mousinho @ DCM | Littler