A experiência proporcionada pela pandemia, com o renascer do teletrabalho enquanto forma de prestar a atividade, mudou o paradigma das relações laborais como até então o conhecíamos.
O Teletrabalho ganhou um lugar de destaque no quotidiano do universo laboral, tendo sido, inclusive, o mote da alteração legislativa ao Código do Trabalho, através da Lei n.º 83/2021, de 6 de dezembro. Não só veio afirmar-se como um fator na negociação entre as partes na contratação, permitindo uma flexibilização das relações de trabalho, como também influenciar na aplicação e interpretação de muitos outros direitos sindicáveis em sede judicial. O Tribunal Superior de Justiça da Galiza, em decisão de 08 de junho de 2021, afirmou que a transferência do local de trabalho do trabalhador, por parte da empresa e de forma unilateral, não se justifica sempre que este mesmo trabalhador possa exercer essa mesma função por via de teletrabalho.
A decisão em apreço versava sobre a posição de um assistente administrativo, que exercia funções em part-time, cujo posto de trabalho foi alterado devido a motivos de organização interna, de acordo com o artigo 40.1 do Estatuto de los Trabajadores. Ainda assim, mesmo que o artigo apresente correspondência com o “motivo do interesse da empresa” disposto no nosso artigo 194.º, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho, este prevê um elenco taxativamente fechado de fundamentos.
Ora, ainda que reiteremos a validade, em termos legais, do motivo justificativo suficiente para a transferência, o TSJ da Galiza valeu-se dos seguintes requisitos adicionais para a invalidade desta mesma decisão: (i) a empresa teria de justificar a falta de possibilidade de exercer as funções através de teletrabalho e, (ii) consequentemente, existir a implementação na empresa de regimes de teletrabalho.
Ou seja, segundo esta decisão, e tendo sempre em conta o caso concreto, sempre que o trabalhador possa continuar a desempenhar as suas funções à distância, através daquilo que o acórdão refere como “meios modernos de comunicação”, a decisão do empregador de transferir o trabalhador de local de trabalho não está justificada, a não ser que consiga provar que as funções necessitem de ser desempenhadas presencialmente.
São duas as principais questões que podemos retirar desta decisão. Se, por um lado, como dispõe o artigo 166.º do nosso Código do Trabalho, a implementação do regime de teletrabalho depende sempre de acordo escrito entre as partes, não poderá estar criado o precedente para uma imposição injustificada da existência de teletrabalho? Ou estaremos, ao invés, a criar mais um motivo de direito ao regime de teletrabalho como disposto no artigo 166.º-A do Código do Trabalho?
Claro está que, transpondo esta problemática para o ordenamento jurídico português, paira a questão de saber se a existência da compatibilidade de funções com a prestação do trabalho através de meios à distância passará a consubstanciar mais um dos requisitos necessários a aditar ao atual artigo 194.º, n.º 1 do Código do Trabalho? E, da parte do trabalhador, embora não haja prejuízo sério, poderá o trabalhador, unicamente com o motivo de compatibilidade funções, opor-se à transferência do local de trabalho?
Aguardamos, com alguma curiosidade, a influência que estas decisões terão no futuro das relações laborais.
Gonçalo Asper Caro, Maria Beatriz Silva @ DCM | Littler