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Trabalhador ausente em parte incerta: e agora?

A gestão de ausências prolongadas de trabalhadores é um desafio significativo para qualquer empregador. Quando um trabalhador se ausenta por um longo período, nomeadamente, mas sem exclusão, por motivos de saúde, e não regressa ao trabalho conforme esperado, surgem diversas questões para os gestores de pessoas e de equipas.

Imaginemos o seguinte caso:

  1. O trabalhador está ausente, por motivo de doença, há cerca de seis meses;
  2. Durante esse período, o trabalhador comunicou as ausências e entregou os comprovativos do motivo das faltas, sempre de forma atempada;
  3. O empregador esperava o regresso do trabalhador no dia 1 de fevereiro de 2025, atendendo à última comunicação do trabalhador, na qual informava que a incapacidade para o trabalho cessaria no dia 31 de janeiro de 2025;
  4. Contudo, não voltou a comparecer ao trabalho até ao final do mês de fevereiro;
  5. O empregador contactar o trabalhador, através do número de telemóvel conhecido, mas esteve sempre desligado;
  6. O empregador enviou três e-mails para o endereço de e-mail conhecido do trabalhador para saber se estaria bem e se tinha alguma previsão de regresso ao trabalho, não obteve resposta.

O que pode o empregador fazer?

Hipótese A – promover a cessação do contrato de trabalho por abandono do trabalho, através de uma comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, mediante o envio de carta registada com aviso de receção para a última morada conhecida deste;

Hipótese B – instaurar um procedimento disciplinar por faltas injustificadas, com intenção de despedimento;

Hipótese C – instaurar um procedimento disciplinar por faltas injustificadas, sem intenção de despedimento;

Hipótese D – não atuar, considerar as faltas como injustificadas e aguardar pelo regresso do trabalhador; ou

Hipótese E – antes de observar a hipótese A, enviar a0 trabalhador uma comunicação prévia com (i) a descrição dos factos constitutivos da presunção de abandono, (ii) a concessão de um prazo razoável ao trabalhador para alegar e provar factos e circunstâncias demonstrativos de motivos de força maior impeditivos da comunicação da ausência e (iii) expressa advertência de que, na ausência de resposta, será enviada a comunicação de cessação do contrato de trabalho com fundamento em abandono do trabalho.

Vejamos.

Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar (art. 403.º, n.º 1, do Código do Trabalho). 

Em particular, presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço  por um período mínimo de 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência (art. 403.º, n.º 2, do Código do Trabalho). 

Esta presunção pode ser ilidida – ou seja, afastada, pelo trabalhador, mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência (art. 403.º, n.º 4, do Código do Trabalho).

Para valer como denúncia do contrato de trabalho por parte do trabalhador, o empregador deve invocá-lo através de comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de receção para a última morada conhecida deste (art. 403.º, n.º 3, do Código do Trabalho). 

Em caso de abandono do trabalho, o trabalhador deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período de aviso prévio em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência (arts. 403.º, n.º 5, e 401.º, n.º 1, do Código do Trabalho). 

Coloca-se a questão de saber o que sucede quando não se verificam os requisitos legais que permitem invocar o abandono do trabalho.

Trata-se de um despedimento ilícito com todas as consequências legalmente previstas, nomeadamente, os deveres de reintegração na empresa (ou, em alternativa, o dever de pagar uma indemnização por antiguidade) e de pagamento dos denominados “salários de tramitação”, ou seja, os que se vencem durante a ação laboral de impugnação do despedimento.

Por conseguinte, salvo melhor opinião, a invocação do abandono do trabalho pelo empregador deve ser devidamente ponderada atendendo às circunstâncias do caso concreto.

Em especial, o empregador deve avaliar se a conduta do trabalhador assume um significado inequívoco de cessação do contrato de trabalho. Se tal ocorrer com elevado grau de certeza, poderá promover a cessação do contrato de trabalho por abandono do trabalho (Hipótese A).

Ao invés, se existirem dúvidas ou incertezas, a situação pode ser analisada no âmbito do cumprimento dos deveres laborais, nomeadamente emergentes da boa fé, como são o caso dos deveres de informação e de lealdade, mas também deveres de obediência e de assiduidade.

Nesta situação, o empregador pode escolher entre (i) instaurar um procedimento disciplinar com intenção de despedimento, através da notificação de uma nota de culpa com uma descrição dos factos e circunstâncias que constituem violação de deveres laborais, sendo observadas as demais fases do procedimento disciplinar (Hipótese B) ou (ii) enviar uma comunicação prévia à comunicação final de abandono, dando uma oportunidade ao trabalhador de explicar os motivos de força maior impeditivos da comunicação da ausência (Hipótese E).

É verdade que nada impede o empregador de optar pelas vias conservatórias do vínculo jurídico-laboral (Hipóteses C) e D).

É importante notar que o art. 253.º, n.º 4, do Código do Trabalho de 2009, determina que o trabalhador deve reiterar a comunicação de ausência, nomeadamente, nas situações de suspensão do contrato de trabalho por impedimento prolongado. Esta solução não era evidente no Código do Trabalho de 2003 (art. 228.º, n.º 3). Por isso, alguma jurisprudência afastava a qualificação destas ausências como faltas injustificadas. Contudo, atualmente, não parece haver qualquer dúvida quanto à qualificação jurídica destas ausências como faltas injustificadas, sempre que o trabalhador não comunique atempadamente a manutenção da situação de impedimento prolongado.  

Em suma, não existe uma resposta única para todas as situações de abandono do trabalho, devendo o empregador analisar detalhadamente todas as circunstâncias do caso e atuar em conformidade, de forma diligente e prudente.

No caso acima referido, parece-nos que se o objetivo for a cessação do contrato de trabalho, devem ser ponderadas as hipóteses B) e E); por seu lado, se o objetivo for a manutenção do contrato de trabalho, devem ser ponderadas as hipóteses C) e D).

Esperamos que estas reflexões tenham sido úteis.

David Carvalho Martins

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