No passado dia 21 de maio, o governo espanhol aprovou a eliminação da referência à cessação automática do contrato de trabalho com fundamento em incapacidade grave, invalidez permanente absoluta e incapacidade permanente total do trabalhador, a qual se encontrava prevista no art.49.º, n.º1, alínea e) do Estatutos dos Trabalhadores.
Esta decisão é reconhecida como um significativo avanço na proteção dos trabalhadores que possuam uma incapacidade permanente total e absoluta, representando também um importante passo na eliminação de discriminações decorrentes da incapacidade do trabalhador após o início da sua atividade profissional.
De acordo com a modificação à norma do Estatutos dos Trabalhadores, o empregador não poderá decidir unilateralmente, como até aqui, sobre a continuidade ou cessação do vínculo laboral em caso de incapacidade do trabalhador. Ao invés, a possibilidade de cessação do contrato estará agora condicionada à vontade do trabalhador, que poderá requerer:
- Uma adaptação razoável, necessária e apropriada do local de trabalho;
- A mudança para outro cargo vago e disponível, de acordo com o seu perfil profissional e compatível com a sua nova condição.
Ademais, o texto aprovado estabelece ainda critérios para determinar em que situações os ajustes necessários constituem um custo excessivo para a empresa, tendo em conta a sua dimensão, e se os custos de adaptação podem ser cobertos, total ou parcialmente, por ajudas ou subsídios públicos.
Todavia, o quadro legal português está longe do avanço desta decisão do conselho de ministros espanhol.
O artigo 343.º do Código do Trabalho (CT) prevê a caducidade do contrato de trabalho verificando-se o seu termo (conforme a alínea a) daquele artigo), por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, do trabalhador prestar o seu trabalho ou do empregador o receber (alínea b)) ou com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez (alínea c)).
No que respeita à alínea b) do artigo 343.º do CT, a impossibilidade é considerada superveniente quando ocorre após a celebração do contrato de trabalho; é, em regra, absoluta quando o trabalhador não possa desempenhar as funções previstas segundo a sua categoria profissional, atendendo à imodificabilidade do objeto do contrato decorrente do princípio pacta sunt servanda (art. 406.º, n.º 1 do Código Civil (CC)); e é definitiva, sempre que o evento que originou a impossibilidade seja previsivelmente irreversível.
Esta matéria é ainda regulada pela Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, que nos artigos 154.º e seguintes, estabelece um regime relativo à reabilitação e reintegração profissional de trabalhador sinistrado por acidente de trabalho ou afetado por doença profissional de que tenha resultado incapacidade temporária parcial, ou incapacidade permanente, parcial ou absoluta para o trabalho habitual.
Neste caso, não existindo a impossibilidade de assegurar ocupação compatível (art.161.º da Lei n.º 98/2009), exige-se que empregador assegure a adaptação do posto de trabalho, assim como ocupação efetiva e compatível com o estado do trabalhador, pelo que, o objeto do contrato pode ser modificado contra a vontade do empregador na medida em que a lei lhe impõe o dever de assegurar ao trabalhador ocupação em funções compatíveis com a sua desvalorização (art.283.º, n.º 10 do CT e art.155.º, n.º1 da Lei n.º 98/2009).
Compete à entidade empregadora, que pretende invocar a caducidade do contrato de trabalho devido à impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva do trabalhador exercer as suas funções, o ónus de alegar e provar os factos que permitam inferir a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva dessa prestação por parte do trabalhador (art. 342.º, n.º 1 do CC).
No caso de incapacidade decorrente de um acidente de trabalho, a entidade empregadora terá ainda o ónus de alegar e provar a inexistência de um posto de trabalho compatível com a incapacidade atribuída ao trabalhador.
Não havendo a possibilidade de efetuar tal prova, a comunicação de caducidade do contrato de trabalho, nos termos do da alínea b) do art. 343.º do CT, configura uma cessação unilateral do contrato de trabalho por parte da entidade empregadora, o que poderá equivaler a um despedimento ilícito do trabalhador, caso o mesmo não seja precedido de procedimento disciplinar fundado em justa causa.
Posto isto, caso a incapacidade não resulte de acidente de trabalho ou de doença profissional, depreende-se que o ordenamento jurídico português prevê que a incapacidade faz operar a caducidade do contrato de trabalho de forma automática por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva do trabalhador, sem sujeição à adoção prévia de medidas de adaptação razoável.
Contudo, esta interpretação pode ser incompatível com a Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000. Note-se, aliás, que a reforma do art. 49.º, n.º 1, alínea e) dos Estatutos dos Trabalhadores, decorre do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 18 de janeiro, que veio determinar que o artigo 5.º da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação nacional que prevê que o empregador pode fazer cessar o contrato de trabalho em caso de incapacidade permanente total para executar as tarefas que lhe incumbem, sem que que a entidade patronal tenha a obrigação prévia de implementar adaptações razoáveis, a fim de permitir que o trabalhador mantenha o seu emprego, ou demonstre, se aplicável, que tais ajustamentos constituíram um encargo excessivo.
Francisca Amado @ DCM | Littler, Estagiária de Verão através da PEN Elsa Coimbra