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Trabalho suplementar: Inversão do ónus da prova?

By 22 Abril, 2024No Comments

Aquando da celebração de qualquer contrato de trabalho um dos deveres de informação do empregador é relativo a (i) período normal de trabalho, especificando os casos em que é definido em termos médios, (ii) o regime aplicável em caso de trabalho suplementar e (iii) o regime de organização por turnos, conforme artigo 106.º, n.º 3, alínea i), do Código do Trabalho (doravante CT).

Ao longo da relação laboral, o empregador deve manter o registo dos tempos de trabalho, incluindo para trabalhadores(as) que estão isentos de horário ed trabalho, em local acessível e por forma que permita a sua consulta imediata, nos termos e para os efeitos do artigo 202.º, n.º 1, do CT. Além do referido anteriormente, o empregador deve também ter um registo de trabalho suplementar, nos termos do disposto no artigo 231.º, n.º 1, do CT.

Em recente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (Ac. de 10.01.2024 (Manuela Fialho), proc. n.º 1701/22.8T8CSC.L1-4), uma das questões examinadas foi a de pretensa inversão do ónus da prova quando o empregador invoca não dispor dos registos de tempo de trabalho e trabalho suplementar.

Nesta senda, o ónus da prova quanto à realização de trabalho suplementar está, normalmente, a cargo do(da) Trabalhador(a) nos termos e para os efeitos do artigo 342.º,n.º 1, do Código Civil (doravante CC). A regra estabelecida no artigo anterior pode inverter-se, designadamente, nos termos do disposto no artigo 344.º, n.º 2, do CC quando a contraparte torna, de forma culposa, impossível a prova à parte sobre quem o ónus impende.

A jurisprudência, e alguma Doutrina, têm vindo a referir que para a inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344.º, n.º 2, do CC conjugado com o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código do Processo Civil, devem ser observados um conjunto de pressupostos, nomeadamente, que (i) a parte seja notificada para cooperar com a referência à cominação de inversão do ónus da prova caso não o faça; (ii) a falta de cooperação torne impossível a prova à parte onerada e (iii) a impossibilidade de prova decorra de um comportamento culposo da parte notificada a colaborar.

O Tribunal da Relação de Lisboa neste ponto refere falhar, pelo menos, um pressuposto, pois não se verificou uma recusa de colaboração pela contraparte, na medida em que a parte contrária não se recusou a colaborar, antes invocou não dispor de registos de tempo de trabalho requeridos. Acrescentando que do incumprimento da obrigação de registos do tempo de trabalho não resulta, de per se, a inversão do ónus da prova. Em conclusão reproduzimos o sumário do acórdão 1 – Da circunstância de a empregadora não dispor de registos dos tempos de trabalho ou de trabalho suplementar não emerge a inversão do ónus da prova no concernente à prestação de trabalho suplementar. 2 – Para que possa reconhecer-se o direito a retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar é necessário que o trabalhador prove que realizou trabalho que deva ter-se como suplementar, embora se desconheçam os concretos limites da prestação.

Não deixam de se levantar questões, por exemplo, quanto às cominações contraordenacionais ou outras, bem como a possibilidade de produção de prova – eventualmente dificultada – que cabe aos(às) trabalhadores(as).

Continuaremos atentos.

Ana Amaro @ DCM | Littler